ENTREVISTA nº 1 - MARGARET JULL COSTA, tradutora literária.

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Aviso: para entender melhor a entrevista, leia a introdução no artigo anterior neste link: https://inversbrasiltradlit.blogspot.com/2020/12/apresentacao-de-margaret-jull-costa.html 


ENTREVISTA

Talvez eu não tenha pesquisado corretamente, mas não encontrei nenhum registro de entrevistas que você concedeu a alguma revista ou algum site brasileiros e especializados em literatura ou mesmo a alguma universidade, estou certo? Se sim, por favor, aceite minhas desculpas, suas obras deveriam ser reconhecidas, principalmente pela nossa Academia de Letras localizada aqui no Rio, como você foi premiado pela Ordem do Infante Henrique, em Portugal, um título tão importante. Você realmente fez um trabalho impressionante traduzindo a literatura brasileira e portuguesa para o inglês.

Como a literatura brasileira tem sido vista no Reino Unido? Você acompanha as estatísticas e os comentários dos leitores?

MJC:  O público inglês é famoso por sua resistência à literatura estrangeira e duvido muito se muitos poderiam nomear um autor brasileiro. Aqueles que descobriram Machado de Assis, porém, são sempre capturados por sua escrita. Memórias póstumas de Brás Cubas recebeu críticas muito positivas, mas se o livro vai encontrar um grande público, não posso dizer ao certo.

Vejo que se formou em língua portuguesa e espanhola na Universidade de Bristol. Quando começou seu relacionamento com ambas as línguas?

MJC: Fui para a Espanha quando tinha 18 anos, me apaixonei pela língua e comecei a aprende-la. Depois, quando fui para Bristol aos 24 anos, comecei a aprender português e então morei por dois anos em Portugal.

Geralmente, quem estuda essas línguas ao mesmo tempo acaba confundindo-as, misturando-as. Você já passou por esse processo? Estou perguntando porque comecei a esquecer alguns assuntos de português ao usar muito espanhol nas minhas atividades diárias de trabalho.

MJC: Eu fico confusa com as duas línguas quando falo, mas felizmente não fico quando estou traduzindo!

A tradução é sua atividade principal? Você tem outra, como professor, ou qualquer outra função dentro do processo de tradução, como revisora ou editora, por exemplo? Eu vi que você foi nomeada Professora Honorária de Estudos de Tradução na Universidade de Nottingham, em 2016.

MJC: Eu traduzo tempo integral agora. No início da minha carreira também trabalhei como lexicógrafa e como editora de cópias, o que se mostrou muito útil na escrita, na tradução e no mundo editorial. Quanto à minha cátedra em Nottingham, costumo dar um workshop de tradução lá, um em espanhol e outro em português, uma vez por semestre.

Olhando para o seu fabuloso currículo, você fez sua primeira tradução em 1984 com "Ensaios de Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa", publicado na Granta. Como você vê seu primeiro trabalho com seus olhos de hoje e qual seria o seu conselho sobre técnicas de tradução para aquela Margaret de 1984?

MJC: Eu não olhei honestamente para esses ensaios por um longo tempo, mas eu suponho que meu conselho agora seria para continuar relendo e editando.

Sua primeira tradução do português foi "Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa, em 1991. Qual é a sensação de traduzir o segundo nome mais forte da poesia portuguesa depois de Luís de Camões?

MJC: O Livro do Desassossego é a maior obra em prosa de Pessoa e Bernardo Soares é seu principal heterônomo em prosa. Eu sei que deveria ter me sentido nervosa em traduzir Pessoa, mas na minha inocência, eu simplesmente mergulhei. Foi uma experiência maravilhosa.

Ao traduzir os mestres da literatura portuguesa como Eça de Queiroz, José Saramago, Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros, você já recebeu algum feedback positivo ou negativo de algum fã destes escritores sobre a sua tradução das obras deles?

MJC: Felizmente, eu só tive feedbacks positivos sobre minhas traduções de fãs ou pessoas novas para esses autores.

O primeiro escritor brasileiro que você traduziu foi "O Clube dos Anjos"," de Luis Fernando Veríssimo, aclamado escritor aqui no Brasil, principalmente por seus ensaios em sua coluna semanal publicada no jornal Folha de São Paulo. Você já entrou em contato com ele para esclarecer alguma dúvida a fim de melhor traduzir ou adaptar qualquer parte de seu livro? Como você faz, geralmente, quando o escritor ainda está vivo?

MJC: Entrei em contato com o Luis Fernando algumas coisas e ele foi muito útil. Tento não fazer muitas perguntas, simplesmente porque os autores são pessoas ocupadas, e autores mortos não podem ajudar.

Ri muito quando vi sua tradução para o nome do livro "A Terra no Fim do Mundo (Os Cus de Judas)", do escritor português António Lobo Antunes. Os editores britânicos geralmente não permitem o uso de palavrões nas coisas, mesmo para escritores estrangeiros? Como funciona no Reino Unido?

MJC: Eis o que escrevi na minha introdução: O título deste romance em português é Os Cus De Judas, "cu de Judas" sendo uma gíria para qualquer lugar muito remoto e desolado: "a parte de trás do além", "no meio do nada", "os boonies"*, mas literalmente significa "o cu de Judas". Refere-se aqui às partes de Angola esquecidas por Deus, as quais o narrador é recrutado como médico no exército português, mas estende-se, neste universo contaminado, a Lisboa para onde ele volta para casa. Há também talvez a preocupante sugestão de que a guerra em Angola foi, como o estudioso Luís Madureira apontou, uma forma de sodomia colonial - o Estado português simultaneamente violando a colônia rebelde e suas próprias tropas relutantes e traumatizadas - o inverso estéril da autoimagem do império português como uma força viril e frutificante, um portador da civilização. A expressão "os cus de Judas" se repete ao longo do romance e lá eu traduzi como 'imbecis do universo', no entanto, como um título, que parece muito invertido, muito superficial, faltando como faz a sugestão de traição no nome 'Judas'. Há outra frase que também ecoa através do romance: The Land at the End of the World (As Terras do Fim do Mundo) – que é o que os angolanos chamam de parte remota, o “fim do mundo” do leste de Angola, à qual Lobo Antunes e seus companheiros foram alocados. Este nome captura perfeitamente a sensação de abandono que as tropas portuguesas e angolanos sentem, a sensação de que tinham sido varridas para um canto distante do mundo e esquecidas, da mesma forma que poeira e detritos. Espero que isso ajude!

*NT: Boonies – de acordo com o dicionário Merriam-Webster: “a thinly settled rural área” e com o Urban Dictionary: “In the middle of no where. Usually associated with living out in the country”, então concluímos que boonies se refere a qualquer área classificada popularmente como “no meio do nada”, fora do mapa, de difícil acesso, geralmente uma área rural.

Gostaria de entender um aspecto do mercado editorial da língua inglesa. Suas traduções vão para o mercado norte-americano ou geralmente usam seus próprios tradutores devido à barreira linguística? Aqui no Brasil, temos literalmente um grande Oceano Atlântico separando as traduções da mesma língua porque para a maior parte dos brasileiros seria difícil entender muitas expressões de Portugal e vice-versa.

MJC: Eu traduzo para editores britânicos e americanos, e os editores nos EUA às vezes americanizam certas palavras ou expressões, como: ‘lift/elevator’ (elevador), e etc, mas se trata de muito pouco. Nossas duas vertentes do inglês não são tão distantes. E tenho certeza que os leitores portugueses não têm problemas em entender, digamos, Machado de Assis ou Manuel Bandeira ou Carlos Drummond de Andrade, ou, de fato, Luis Fernando Verissimo.

Quais são as vantagens e desvantagens da co-tradução? Você já considerou um tradutor nativo da língua portuguesa ou espanhola como co-tradutor?

MJC: O principal benefício de ter um co-tradutor é que você tem duas mentes trabalhando no mesmo texto, então há mais chance de alcançar a perfeição! Também se trata mais sobre ter um companheiro ao compartilhar um texto com outro tradutor. Trabalho em estreita colaboração com a poeta portuguesa, Ana Luísa Amaral, na tradução de sua poesia e também na poesia de, por exemplo, Mário de Sá-Carneiro (publicamos uma seleção de sua poesia este ano). Ela também traduz poesia do inglês (Emily Dickinson, Shakespeare, etc.) e assim ela possui todos os instintos certos de um escritor e tradutor, bem como um profundo conhecimento de inglês.

“Histórias coletadas de Machado de Assis" chegou tardiamente em sua carreira. Qual foi o primeiro contato com o escritor e você o compararia com o escritor britânico? Li que ele tem semelhanças com Charles Dickens no Reino Unido, com Victor Hugo na França e Edgar Allan Poe nos EUA, quero dizer sobre o estilo de escrita e não sobre os temas. Por favor, deixe-me saber sua impressão sobre suas características pessoais que o diferem dos grandes escritores de seu tempo.

MJC: Eu li Machado de Assis pela primeira vez quando estava na universidade, e me apaixonei pelo trabalho dele. Foi um privilégio finalmente poder traduzi-lo. Eu realmente não acho que ele é como qualquer outro escritor, embora ele tenha sido claramente influenciado em seus romances posteriores por Tristram Shandy, de Laurence Sterne. Ele me parece muito mais moderno do que os outros grandes escritores do século XIX em seu senso de humor absurdo e na maneira como ele brinca com o leitor.

Paulo Coelho foi considerado a “ovelha negra” dos escritores brasileiros por muito tempo, até mesmo seu convite para a Academia Brasileira de Letras foi controverso. Como ele é visto no Reino Unido?

MJC: Ele é um escritor popular, seus livros vendem muito bem e ele tem um grande número de seguidores aqui como em outros lugares. Como no Brasil, a intelectualidade do Reino Unido tende a rejeitá-lo como sem importância literária. Eu acho que há um elemento de esnobismo nisto.

Desde 1984 até agora, quais aspectos do processo de tradução você sente falta da época sem internet?

MJC: Nenhum, exceto talvez as visitas à Biblioteca da Universidade de Cambridge. A internet é a maior biblioteca de referência de todos os tempos.

Que escritor você gostaria de ter a chance de traduzir?

MJC: Eu adoraria traduzir Fortunata y Jacinta de Pérez Galdós, mas não acho que eu tenha tempo – é muito longo. E eu também adoraria traduzir um pouco da poesia de Manuel Bandeira.

Você fala ou estuda outra língua? Se sim, você pretende usá-lo em sua profissão ou mantê-lo apenas para seus estudos pessoais?

MJC: Sim, tenho estudado francês por muitos anos e amo literatura francesa. Não pretendo, no entanto, traduzir nenhum autor francês, embora, eu adoraria ter traduzido Proust e Balzac! Em outra vida, talvez.

Bem, você tem uma lista impressionante de prêmios e podemos ver que seu trabalho é muito apreciado e reconhecido, o que é realmente incrível. Existe algum prêmio que você possa considerar mais importante devido a alguma conquista especial? É difícil escolher um, eu sei.

MJC: Sou muito grata por todas as honras e prêmios que recebi, mas fiquei particularmente emocionada quando minha tradução de Os Maias, de Eça, ganhou dois prêmios, um no Reino Unido e outro nos EUA, simplesmente porque eu amo tanto o trabalho de Eça e foi maravilhoso ver sua obra-prima reconhecida.

Você tem suas próprias obras ou pretende escrever alguma história, talvez um romance? Você tem muitas habilidades de escrita acumuladas em toda a sua experiência, seria ótimo ver qualquer um de seus próprios trabalhos.

MJC: Eu sempre escrevi poesia desde quando eu era criança, mas eu não tenho planos para publicá-la, e eu certamente não tenho nenhuma intenção de escrever um romance.

Para encerrar nossa entrevista, que mensagem você pode deixar para os novos tradutores literários que chegam ao mercado?

MJC: Só se torne um tradutor se você ama escrever em sua própria língua, caso contrário, não há nenhum sentido. E, se você puder, apenas traduza livros que você ama.

 

Não tenho palavras para agradecer a gentileza de ceder essa entrevista e apresentar essa tão interessante tradutora e disseminadora das literaturas de língua portuguesa e espanhola nos países anglófonos. Sei que o papel do tradutor ainda é muito pouco reconhecido no Brasil, no entanto isso está mudando nos últimos anos, devemos ver que o tradutor assume o papel de co-autor da obra em outra língua, põe muito de si na obra traduzida e principalmente na tradução de poemas, ele exerce um papel ainda mais pessoal. Temos poucas premiações para tradutores no Brasil, como: Prêmio ABL de Tradução; Prêmio Paulo Rónai da Fundação da Biblioteca Nacional; Prêmio FNLIJ e o Prêmio Jabuti, mas não encontrei nada referente a tradutores de obras brasileiras a tradutores estrangeiros, uma pena e uma falta de reconhecimento com quem ajuda as obras produzidas aqui a serem levados a lugares antes nunca imaginados.


Margaret, muito obrigado!

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