ENTREVISTA nº 4 - BENTO ARAÚJO, editor da POEIRA ZINE (PZ)



Orgulhosamente apresento a quem ainda não conhece, principalmente aos amantes do rock clássico, a entrevista com o jornalista Bento Araújo que é a mente por trás do melhor fanzine brasileiro de música que eu já tive acesso, a Poeira Zine (ou PZ para os fãs), publicada de fevereiro de 2003 a abril de 2016. Nada menos que 13 anos de estrada! Mas infelizmente não a vemos mais no formato impresso (o meu preferido) e graças ao espírito empreendedor de Bento, somado a sua inegável paixão pela música e pelo bom jornalismo, ela segue viva, em alto e bom som, agora no formato digital na pele do Poeiracast e nas mídias sociais. Quem tiver interesse veja o site: www.poeirazine.com.br e a página do Instagram @poeirazine, aproveitem e curtam o melhor do rock!

Com a primeira edição publicada em fevereiro de 2003, estreando com ninguém menos que Status Quo na capa, falando da passagem da banda pelo no Brasil, Bento injetou algo que atualmente falta, ao meu ver, na escrita de uma forma geral: a paixão por escrever, o que transforma a escrita em uma leitura prazerosa ao leitor. Sou fã de publicações independentes porque ficam fora da censura, dos cortes editoriais e de uma estética padronizada. Por esta sensacional publicação, inicialmente trimestral, fui introduzido a bandas que jamais ou raramente eu teria acesso, por mais curioso que eu fosse, pois em 2005, o ano que comprei a primeira edição da PZ, de número 8 - estampando o disco Climbing do Mountain na capa - após ver a propaganda no site brasileiro sobre rock, o Whiplash, o que me instigou a ler uma publicação independente sobre o estilo de música que mais gosto: o rock clássico, um termo abrangente usado para designar o gênero musical rock produzido na estética na segunda metade da década de 1950 e das décadas de 1960 a 1990, hoje já englobando a primeira década do século XXI. Por meio da PZ, eu fui apresentado a bandas como Mountain, Grand Funk Railroad, Rory Gallagher, Ramatam, bandas do rock progressivo italiano, bandas do rock húngaro, de fusion, entre outras inúmeras, e fui altamente instigado a comprar o disco Come Taste The Band, do Deep Purple, um fantástico álbum tido como maldito por muitos, pois abrange uma era mais “funk”(no estilo original do ritmo, não do que se alega ser “funk” hoje, o tal “pancadão”, totalmente desvinculado de sua essência rítmica) da banda, sem Ritchie Blackmore e sem Ian Gillan, mas com um dos mais versáteis bateristas que já ouvi, senão o mais versátil, Mr. Ian Paice e meu tecladista/organista/pianista preferido (e mais completo), Jon Lord. Só tenho que agradecer ao Bento pela incrível jornada musical através destas décadas maravilhosas, por introduzir o rock clássico mundial e desconhecido de bandas como Museo Rosenbach, a entender o que é o gênero fanzine e ver como se adaptar aos tempos digitais e virtuais da nossa atualidade, onde não existem e profetizo, não existirão, mais grandes bandas capazes de encherem um estádio por si só. Agradeço por aceitar a entrevista que é feita por um fã da PZ. Em breve abrirei um tempo na agenda para conferir o Poeiracast e para adquirir seus livros Lindo Sonho Delirante 1, 2 e 3!



Vamos entender mais sobre o trabalho do Bento, da PZ e como funciona um fanzine (aglutinação das palavras fanatic e magazine, na língua inglesa) ou também somente zine, como muitos chamam. Para quem não conhece ou é pouco familiarizado, o fanzine é um tipo de publicação amadora que surgiu por volta da década de 1930 e que foi inicialmente criado por fãs de ficção científica para divulgarem seus textos, posteriormente se expandindo seus limites para outras áreas como a literatura, quadrinhos, para divulgar ideias libertadoras na década de 1960, futuramente sobre vídeo game, moda, fotografia, música, feminismo, movimento punk, enfim, um formato livre de publicação, sem amarras editoriais, sem dinheiro envolvido, puramente feito por quem ama e voltado para os amantes de um tema específico.

Bom, chega de blá blá blá e vamos para o que interessa. Com a palavra, Sr. Bento Araújo!


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Primeiramente, Bento, gostaria de agradecer por você ter aceito o convite, sou um grande admirador do seu trabalho, gosto muito do seu estilo de escrita que exala paixão, respeito e admiração pela música e principalmente pelo rock. Gostaria de saber como você vê o formato fanzine na era digital e como você vê a sobrevivência do gênero nas próximas décadas. O blog é o melhor meio digital para substituí-lo ou você aposta em outros que envolvam vídeos, como o podcast? A “live” ganhou uma importância absurda com a pandemia e veio para ficar, portanto é um meio de se manter em voga, ao meu ver, que só crescerá de agora em diante.

Bento Araújo: Olá Caio, eu que agradeço, obrigado pelo convite! Sinceramente, acho difícil pensar em algo que substitua o formato fanzine. Gosto de pensar que esse formato e essa “atitude” irão existir pela eternidade, de geração para geração, pois trata-se de paixão, inconformismo e de uma busca por alternativas. Acho que sempre existirão jovens buscando isso, seja na hora de fazer ou de consumir mesmo essa cultura independente do fanzine. Acho que todos os formatos digitais e virtuais são válidos para manter essa ideia viva, essa chama acesa. Novos modelos virão, mas a essência será sempre a mesma e isso é legal demais.


Em termos jornalísticos, quais foram seus maiores desafios com a Poeira ao ser o “homem-redação”? Pois realizaras funções de escrever, editar, cuidar da parte gráfica, impressão, postagem e ainda responder e-mails, como foi tudo isso? Depois vieram os parceiros, como Ricardo Alpendre, aliás, grande parceiro. Conte um pouco como foi tudo isso.

BA: Pois é, esse acabou sendo o maior desafio e talvez, olhando em retrospecto, foi também o que colocou um ponto final na Poeira enquanto publicação bimestral impressa. Acabei fazendo tudo na publicação por necessidade, pois não tinha como pagar alguém para fazer as outras funções. Com o tempo eu fui chamando colaboradores, comprando matérias e fotos e a coisa foi crescendo. Meu sonho, no entanto, nunca se realizou, pois eu queria ter uma revista de verdade, com uma redação e muita gente legal trabalhando comigo. Eu acabei insistindo por tanto tempo (13 anos) que a “crise do impresso” foi mais rápida que o meu sonho... (rs).


Você abria espaço para os leitores enviarem as perguntas deles aos músicos e outros entrevistados, isso era fantástico, como você selecionava as perguntas e como era o contato com os leitores da publicação?  

BA: Era muito legal mesmo, sempre curti essa interação mais intensa com os leitores. Vinham perguntas muito legais e outras nem tanto, então até que era fácil escolher as melhores. A minha sorte é que os leitores da Poeira sabiam muito do riscado, geralmente eram colecionadores apaixonados, que sabiam tudo sobre os artistas e os grupos que apreciavam, então tudo isso facilitava.


Vejo que você segue com o podcast da Poeira, como é trabalhar nesse formato e como funciona a parceria com a equipe de longa data? Você, Edgar Piccoli e Gastão Moreira, outros dois monstros que vieram da saudosa MTV Brasil, já fizeram o Heavy Lero, há planos de voltar? Afinal, 3 cérebros musicais em atividade é muito proveitoso e raro! 

BA: Ah, é muito bacana fazer o poeiracast (https://youtu.be/ax-BCxFPmAc), pois são quatro grandes amigos envolvidos. Esse papo que aparece no programa é o mesmo papo que a gente levava quando trabalhávamos juntos, em lojas de discos, e quando íamos à sagrada pizzaria, semanalmente. Nem vimos o tempo passar e já estamos há 12 anos nessa empreitada. Talvez o poeiracast seja o podcast sobre música mais longevo do Brasil, ou pelo menos “um dos”. Já gravamos mais de 450 episódios e temos fãs e apoiadores que nos ajudam a manter o programa no ar, através de uma campanha de financiamento recorrente no Catarse (catarse.me/poeiracast). Quanto ao Heavy Lero, eu adorei aquela experiência e aprendi muito com o Gastão e o Edgard, que eram meus ídolos na adolescência. Ser convidado para gravar com eles foi uma alegria e um reconhecimento. Deu muito certo durante a primeira temporada e as propostas eram animadoras, no entanto, os interesses profissionais acabaram divergindo, então eu e Edgard deixamos o Heavy Lero. O programa continuou com Gastão e com o Clemente, que me substituiu. 

 


Conte um pouco sobre seu projeto LSD – LINDO SONHO DELIRANTE que já está no volume 3. Como tem sido o desafio de escrever livros em comparação a editar um zine?  A experiência do crowfunding é recompensante? Há mais projetos deste tipo a caminho?

BTTem sido sensacional! Sempre foi um sonho lançar um livro e publicá-lo também em inglês, mostrando meu trabalho para o mundo. Isso era algo que eu vinha buscando há tempos e finalmente está acontecendo – o sonho vem se tornando realidade! Tudo isso graças aos leitores que me seguem, muitos deles desde os primórdios da Poeira. Foram eles que viabilizaram os três volumes da série, via financiamento coletivo. Sim, tem sido uma experiência muito recompensadora, pois podemos viabilizar o projeto do autor para o leitor, de fã de música para fã de música, de uma forma totalmente independente e verdadeira. Não vejo como livros tão específicos serem publicados de outra maneira senão via crowdfunding. É direto para o nicho e isso me deixa sempre muito feliz. Devo lançar uma nova campanha no próximo ano, mas ainda não sei para qual projeto, mas acredito esse ser o caminho.  

 

 




Você fez várias entrevistas por escrito e por telefone para a Poeira e para o projeto LSD. Qual delas mais te marcou, positiva ou negativamente (se puder dar um exemplo de cada impressão) e qual é a maior dificuldade ao fazer contato com os agentes e agenda-las?

BA: Costumo dizer que sempre tive sorte nas entrevistas e nunca peguei ninguém chato, ou de mau humor, para conversar. Gosto de destacar as minhas duas primeiras entrevistas internacionais: Steve Vai, por telefone, e Mick Box, pessoalmente. Foram desafios, pois foram entrevistas realizadas em inglês e naquela época meu inglês deixava muito a desejar. Mas foram maravilhosas e os dois entrevistados foram simpáticos, me deixando totalmente à vontade. Às vezes pintava um agente mala, como um cara que trabalhava para o John Wetton, por exemplo. Num primeiro momento ele topou oferecer a entrevista ao músico, então eu comuniquei os leitores, que mandaram várias perguntas. Selecionei as mais bacanas, traduzi e encaminhei as perguntas. Passou um dia e o agente me respondeu dizendo que o “Mr. Wetton” não iria mais dar a entrevista, pois aquelas eram perguntas sobre “trabalhos antigos” e que ele tinha “um novo disco excelente para divulgar”. Tudo nesse tom rancoroso e tal. Achei bizarro... (rs).

      

Quem traduz suas matérias e livros do/para inglês? Há projetos de publicação para outras línguas, como espanhol, francês, alemão e outras?

 É um grande amigo meu escocês, e um excelente profissional, o nome dele é James William Sunderland Cook. Ele manja muito de música também, então ele é muito mais que apenas um tradutor, pois me dá altas dicas e tudo mais. Espero sim lançar o LSD em outras línguas, como o espanhol e o japonês.  

 

Além da PZ, você escreve com frequência para mídias nacionais e internacionais? Você faz um estudo do estilo da publicação ou simplesmente deixa rolar o assunto dentro do seu estilo de escrita?

BA: Não escrevo mais, já faz alguns anos. Acabei me desiludindo, principalmente quando uma grande revista de música alterou uma cotação minha numa resenha (sem me avisar, só vi depois de publicado) e quando um grande jornal me escalou para uma entrevista com um famoso guitarrista/vocalista, mas publicou a entrevista utilizando a foto do baterista! Tiveram outras grandes frustrações, como escrever e diagramar uma revista inteira sob encomenda, para esta ser “arquivada”. Um absurdo completo. Encomendou? Pelo menos paga, não é? Nessa ocasião acabei trabalhando três meses de graça. Decidi que a partir de então iria somente escrever nas minhas próprias publicações. O Brasil, infelizmente, teve pouquíssimas revistas sérias sobre música. Sempre foi aquela coisa de panela, jabá e tapinha nas costas...  

 

Particularmente, eu vejo o disco (de Vinil ou o CD) como se fosse um livro, pois criou-se um conceito por trás desta mídia. Ele possui capa, contracapa e uma arte temática em torno das músicas que o envolve, desde um simples disco até um complexo disco conceitual, como o The Wall, do Pink Floyd, um exemplo bem conhecido. Como você, um colecionador e amante de discos, vê e sente o desaparecimento das mídias musicais e a popularização do stream? Recentemente assisti uma live sua para o MASP sobre as artes e conceitos das capas de disco. Você sente que a música fica pobre ao tornar-se essencialmente abstrata? O disco, e até a fita K7, nos proporcionava um certo poder de “posse” sobre a música, podíamos chamar de "nossa", de "nosso disco preferido”, ou “disco da nossa vida”, enfim, sinto que a música perdeu muito com essa mudança, ninguém mais ouve “discos”, portanto as gerações atuais e vindouras não saberão a riqueza que possuíam nem ter uma experiência completa sobre a música produzida;

BA: Excelente pergunta! Mas confesso que não sei muito bem a resposta... Tem um lado meu nostálgico que concorda absolutamente contigo. Mas tem um outro lado que acha também interessante a música ser fácil de ser acessada, divulgada e consumida através do streaming. Acabo fazendo uma analogia com os tempos pré-Pet Sounds e pré-Sgt. Peppers, ou seja, aquela era anterior ao disco como conceito, quando reinavam os compactos de sete polegadas, sem capa e sem nenhuma informação. Era apenas a música que interessava, o hit, certeiro. Isso também me encanta de alguma forma e atualmente o digital também me remete a isso, quando alguém por exemplo me manda o link para a audição de um novo single. Acho legal existir as duas coisas, o virtual e o físico. Poder escutar e conhecer música através da internet tem sido, também, um grande prazer para mim.

 

Em uma comparação à literatura, eu vejo o gênero musical “rock” similar ao gênero literário “romance”, pois ambos são fruto da modernidade, altamente adaptáveis e mutáveis, absorvem outros estilos com uma carga muito pessoal do músico e do escritor em questão. Como alguns exemplo, cito: Brian May que trazia valsas e influências operísticas ao Queen, Ritchie Blackmore/Jon Lord que adaptam música clássica e barroca ao Deep Purple, Aerosmith e Anthrax que misturaram hip-hop/rap ao rock e ao metal, entre outros exemplos que misturam estilos musicais regionais e totalmente diversos e adversos. Você acha que o rock vai conseguir continuar a se adaptar com ritmos atuais, incorporando e sendo incorporado, a ritmos que atualmente pouco ou nada têm de melódicos?

BA: Creio que sim! Acho que faz parte da natureza do rock, e da música, ir se transformando e transmutando. Devem pintar coisas interessantes no mundo pós-pandemia, inspiração para o rock não vai faltar.

 

Em termos de composição e letras de música, alguns compositores escrevem canções que são verdadeiras poesias, trovas, outros, uma forma de uma prosa cantada com direito a narrações, muitas ficam marcadas no inconsciente coletivo por décadas e até séculos, como a folclórica Whisky in the Jar, por exemplo, regravada pelo Thin Lizzy e posteriormente, Metallica. Com a sua experiência e conhecimento reunidos em sua vasta coleção de discos, qual ou quais compositores escrevem as melhores letras de música que você já ouviu?

BA: Bob Dylan, Chico Buarque, Patti Smith, Phil Lynott, Bob Marley, Joni Mitchell, Ray Davies, Pete Townshend, John Lennon, Luis Alberto Spinetta, Peter Hammill, Bowie e Lou Reed são alguns que eu adoro e que me dizem muito sobre a vida e a arte. 

 

Ainda veremos a Poeira em formato impresso novamente mesmo em edições especiais ou semestrais, anuais, ou vai seguir somente em formato digital?

BA: Existe sim essa possibilidade, mas confesso que não para um futuro próximo, pois anda bem complicado a questão da logística e dos custos dos impressos. Tenho passado por muitas dificuldades com gráficas, com os Correios, distribuição etc. Meus planos agora são os desdobramentos digitais do projeto LSD: e-books, aulas, palestras, cursos, documentários, podcasts etc. Obrigado pela oportunidade Caio, foi um prazer responder as suas perguntas!


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