RESENHA nº 3 – CORAÇÃO DAS TREVAS (Heart of Darkness), de Joseph Conrad.

 

Esse livro de Joseph Conrad - inicialmente publicado na revista escocesa Blackwood’s Edinburgh Magazine, no ano de 1899, e depois em Youth: and Two Other Stories, no ano de 1902, com histórias do próprio autor – conta a história do jovem inglês Charlie Marlow que sonhava em explorar o Rio Congo desde quando explorava os mapas em sua infância, uma antiga paixão e como ele mesmo descreve, se sentiu encantado pela “serpente”, metaforicamente apelidado. Devido ao seu encanto, ele consegue um emprego na denominada “Companhia” que explora os recursos naturais do antigo Congo Belga (e também antiga República Zaire, atual República Democrática do Congo, cuja capital atual é a cidade de Kinshasa às margens do rio) especialmente o marfim que é explorado sem qualquer controle.



O livro é dividido em três partes, sendo: a primeira que segue desde a saída de Londres, por navio através do Rio Tâmisa, narrando sua chegada no país pelo Rio Congo, e segue com a viagem subindo o rio, trocando de embarcações até a conversa com a intrigante figura do Gerente Geral do Posto Central da Companhia, 50km acima de onde fica a sede do governo, onde durante a viagem ele ouve falar do misterioso e lendário Sr. Kurtz, responsável por um posto de controle e do comércio de marfins com os nativos, ou canibais, como são chamados - há quase 500Km rio acima e cuja busca por ele se torna então a missão de Charlie Marlow. A segunda parte narra a continuação da viagem, rio acima, contando a piora das condições da viagem, implicando na deterioração do barco e do estado mental de nosso personagem principal, bem como o crescimento das trevas conforme o rio penetra no território sem sair da embarcação, o relacionamento dele com os missionários e a tripulação composta de nativos, fechando com o ataque sofrido na floresta. Na terceira e última parte, finalmente vemos o encontro com o Sr. Kurtz, o choque causado pelo estilo de vida vivido por este é descrito em detalhes, assim como a influência e domínio exercidos por ele na população local e seu consequente desfecho.

O contexto histórico se passa durante o boom do Neocolonialismo, cujos principais jogadores eram Inglaterra e França, seguidas de outras potências europeias, como Bélgica e Portugal, que apesar de obterem um resultado inferior, permaneceram por um bom tempo no jogo. O tratamento dado aos nativos, chamados de “canibais” de uma forma geral, mostra escancaradamente o desprezo, a degradação e a inferiorização as quais a população tribal era submetida, explorada das formas mais desumanas e execráveis possíveis, sofrendo as privações mais crônicas como comida e direito a atendimento médico, mostrando a influência do meio exercida sobre figura do Sr. Kutz que passou a controlar uma das tribos e o comércio de marfim, saindo fora do controle da Companhia. Aqui vemos os extremos da colonização belga no Congo encerrada somente no ano de 1960 e cujas consequências perduram até hoje na população e na economia. 

Francis Ford Coppola, o cineasta estadunidense, utilizou-se deste romance para produzir seu aclamado filme Apocalipse Now, em 1979, onde vemos o Coronel Walter E. Kurtz, representado por Marlon Brando, espelhado no Sr. Kurtz e o veterano das Operações Especiais Benjamin Willard, representado por Martin Sheen, no de Charlie Marlow. Acho que houve excessos nesta adaptação, mas de acordo com o zeitgeist deste fim de década, pois a cena final que mostra o sacrifício real de um búfalo poderia ter sido evitado, uma cena desnecessária já devido a violência predominante num filme de guerra moderna. Uma cena deveras interessante neste filme é a conversa entre Benjamin Willard e os colonos franceses instalados desde a época da Indochina, debatendo os estilos de colonialismo francês e estadunidense.

Um livro indispensável para entendermos os absurdos e disparates da colonização humana na Era Moderna ao redor do globo terrestre, com destaque ao tratamento desumano dado aos povos colonizados que são tratados como ignorantes, inferiores e primitivos, fazendo prevalecer a cultura e o domínio das potências ocidentais.



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