ENSAIO nº 4 - A Polissemia Na Linguagem da Propaganda


 

Resumo 

Este trabalho tem por objetivo demonstrar o uso da polissemia na linguagem publicitária utilizando-se não somente do conceito desta função semântica, mas também do conceito da linguagem publicitária em diferentes países e línguas, seus apelos psicológicos para conquistar os consumidores e também por meio de exemplos de ações publicitárias divulgadas na mídia. 

Palavras-chave: Semântica, polissemia, publicidade, marketing, psicologia.

 

 

Summary 

This work aims to demonstrate the use of polysemy in advertising language using not only the concept of this semantic function, but also the concept of advertising language in different countries and languages, its psychological appeals to seduce consumers and also through examples of advertising actions disseminated in the mass media. 

Keywords: Semantics, polysemy, advertising, marketing, psychology.

 


Introdução

Podemos definir “linguagem” - um dos componentes essenciais para a vida em sociedade -, como qualquer processo de comunicação, tomando por exemplo a linguagem escrita, a linguagem das artes e a linguagem dos animais. Os linguistas, refiro-me aos cientistas ou estudiosos dedicados à Linguística, conceituam a linguagem como uma habilidade, eles definem o termo como a capacidade que apenas os seres humanos possuem de se comunicar por meio de línguas. Ao longo das eras, a linguagem humana foi se desenvolvendo além da oralidade, onde a escrita - marco fundamental  que permitiu o registro dos códigos de signos desenvolvidos pelas milhares comunidades humanas ao redor do globo -, inicialmente de caráter pictográfico, feita com desenhos rudimentares, as famosas pinturas rupestres encontradas por espeleólogos nas mais diversas cavernas ao redor do mundo, registrou a cultura dos povos ancestrais, evoluindo para ideogramas, escritas cuneiformes, hieróglifos, até chegar aos alfabetos modernos registrados em escrituras de cunho religioso, como a gramática de Panini registrando o sânscrito, passou a conferir um caráter de respeito e seriedade ao código linguístico que a forma, possivelmente responsável pela por exemplo, as línguas grega e latina, entre outras línguas de diversos troncos linguísticos, como as germânicas, eslavas, etc.

De caráter essencialmente comunicativo, a linguagem humana ao desenvolver a forma escrita, após a entrada na Era Moderna (1453-1789), na Renascença (entre meados do século XIV e o fim do século XVI) e, principalmente, na Era Contemporânea (de 1789 aos dias atuais), passou a assumir outras funções além de simplesmente registrar a história, a literatura, as notícias e demais fatos, houve a intensificação da criação, diversificação e ampliação de léxicos (jurídico, médico, comercial, etc.), o desenvolvimento científico-tecnológico, o surgimento da imprensa, dos meios midiáticos, da comunicação em massa e hiperconectada com a crescente globalização, entre outros fatores, proporcionaram o aperfeiçoamento da funções e gêneros textuais, como a argumentação, a descrição, a narração, principalmente, que estão em constante transformação e mutação, conferindo às línguas vernáculas o caráter de línguas vivas, assim determinando a percepção, organizando o pensamento, ampliando a compreensão, categorização e construção da realidade ao nosso redor e em nível global.

A Linguística, uma ciência relativamente recente, tem nos estudos de Franz Bopp, em 1816, um grande avanço nos estudos da linguagem com a obra Sistema de Conjugação do Sânscrito, originando assim a Filologia Comparativa ou Gramática Comparada; passando por outros linguistas de renome antes mesmo de se utilizar o termo “Linguística”, como o alemão Friedrich Christian Diez e sua Gramática das Línguas Românicas, entre 1836 e 1838; em seguida, o estadunidense William Dwight Whitney, em 1875 com A Vida da Linguagem; e chegando ao suíço Ferdinand de Saussure e seus estudos com a obra Curso de Linguística Geral postumamente publicada em 1916 por seus alunos, ele é considerado o pai da linguística moderna e assim essa ciência então começou a suprir a demanda de estudos da linguagem humana e dos fatos linguísticos, mapeando, identificando e compreendendo os fatores que a regem. Depois vieram outros linguistas com novos estudos e abordagens, como Noam Chomsky com sua Linguística Gerativa na obra Estruturas Sintáticas, em 1957, criticando o trabalho do notório psicólogo Burrhus Frederic Skinner e sua teoria behaviorista publicada na obra Verbal Behaviour (Comportamento Verbal), do mesmo ano. A partir destes estudos, vejamos a diferença dos conceitos da linguagem entre Saussure e Chomsky: 

Saussure considerou a linguagem "heteróclita e multifacetada", pois abrange vários domínios; é ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e social; "não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade" (1969: 17). A linguagem envolve uma complexidade e uma diversidade de problemas que suscitam a análise de outras ciências, como a psicologia, a antropologia etc. (FIORIN, 2018, p. 14) 

Para Chomsky, portanto, a linguagem é uma capacidade inata e específica da espécie, isto é, transmitida geneticamente e própria da espécie humana. (FIORIN, 2018, p. 15) 

Para o linguista suíço, a linguagem tem um caráter social e interdisciplinar onde busca ampliar a sua significação, enquanto que o estadunidense propõe um certo distanciamento das questões de caráter sociocultural, onde o pensamento humano apresenta uma certa organização interna e universal.

Saussure também defende o conceito de língua, considerando-a parte da linguagem, sendo um sistema de signos vocais designado como meio de comunicação social entre os indivíduos de um grupo social ou de uma comunidade linguística, com caráter plenamente interacionista obedecendo os preceitos weberianos de fato social, de poder coercitivo. Ainda nas palavras de José Luiz Fiorin: 

é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos" (1969: 17). A língua é para Saussure "um sistema de signos" - um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. É "a parte social da linguagem", exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. (FIORIN, 2018, p. 15) 

Para uma melhor compreensão do tema deste artigo, é imprescindível ter uma noção sobre o signo linguístico descrito também pelo pai da linguística moderna, pois é desta dicotomia que partiremos para o entendimento dos estudos dos significados e da Semântica, consequentemente da função polissêmica que é um componente fundamental da linguagem publicitária onde o significante é o fator preponderante da sedução ou apelo da mensagem e direciona o significado para causar o impacto desejado: conquistar a atenção do grande público e fazer que se identifiquem com o anúncio. 

O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação dele nos dá o testemunho de nossos sentidos. (...). Propomos a conservar o signo para o total, e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante (SAUSSURE, 2006, p. 80 e 81) 

É vital diferenciar a “palavra” do “signo linguístico”, pois, apesar de parecerem sinônimos, a “palavra” se trata de um termo ou vocábulo ou expressão, sendo uma manifestação verbal ou escrita e formada por um agrupamento de fonemas com uma significação; já o “signo linguístico” trata de um conceito já muito bem definido por Saussure. A palavra, por vezes, ganha ares ora divinos, capaz de nos elevar ao etéreo e ao sublime por meio de orações e preces, ora profanos, levando-nos aos mais baixos sentimentos, ao êxtase, ao estado de encantamento com cânticos, feitiços, bruxarias e outros meios de caráter metafísico, como vemos nas palavras usadas em muitas religiões que chegam até a ganhar uma aura mágica. Palavras têm poder, vide as canções cantadas por bandas e grupos famosos que arrebatam multidões aos estádios e outros logradouros públicos de grande aglomeração. Vejamos esta definição que está associada à fala, a parte social da linguagem, de acordo com a definição saussuriana: 

Uma PALAVRA é uma forma individual, com uma representação fonológica ou gráfica única. (...). A PALAVRA nós todos conhecemos: ela é marcada na escrita através de espaços em branco antes e depois. Na fala não há espaços, e as palavras se pronunciam todas grudadas, o que às vezes apresenta dificuldades de análise (PERINI, 2006, p.93)

 Já começamos com algumas definições linguísticas estruturalistas, agora passaremos a alguns conceitos sobre publicidade e informação para chegarmos à Semântica e à Polissemia agindo na linguagem publicitária como parte de um sistema de suporte

à publicidade. Serão utilizados alguns conceitos do cartaz aqui difundidos pelo francês cientista e professor de sociologia e psicologia social, Abraham Moles, como um dos muitos veículos publicitários amplamente utilizados e que vem se metamorfoseando através do tempo, assim como os anúncios publicados em mídias impressas, na televisão, no rádio, nas redes sociais e websites da internet, o meio em voga. O enfoque será a análise dos aspectos estilísticos da linguagem da propaganda com enfoque maior na parte linguística e a apresentação de alguns conceitos estéticos que complementam o estudo linguístico e colaboram para o resultado final produzido pela propaganda.

 

LINGUAGEM DE PROPAGANDA, TEORIA DA INFORMAÇÃO E O CARTAZ

 

Seria interessante, primeiramente, explicar os significados de publicidade e propaganda na língua portuguesa pelo fato de haver outros em diferentes línguas.

Em português, publicidade é usado para venda de produtos e serviços e propaganda para a propagação de ideias como no sentido de publicidade. Propaganda é, portanto, o termo mais abrangente e o que pode ser usado em todos os sentidos (SANDMANN, 2021, p. 10) 

As propagandas atualmente são veiculadas com os apelos da imagem em mídia impressa (jornais, revistas, panfletos, cartazes e outdoors ou letreiros) e a sedução do som musical em mídias eletrônicas (televisão, rádio, cinema e internet), deixando o texto escrito no papel de coadjuvante no conjunto da propaganda, onde a textualidade ou o texto complexo é formado por sons, imagens e texto linguístico. Durante o estudo da propaganda, os temas podem interessar também em seus aspectos jurídicos, éticos e sociológicos.         

A teoria da informação proposta por Claude Shannon e Warren Weaver, consiste, resumidamente, no estudo de um caso particular fundamental, cuja análise leva, progressivamente, a uma sequência de generalizações, partindo do particular ao geral, onde um indivíduo denominado emissor - durante sua existência em um ambiente habitual -, possui um certo número de conhecimentos definidos, os quais podemos chamar de significados e que realizam uma correspondência, em sua consciência, entre esses significados e um número n de elementos de significação dos signos armazenados em sua memória. O receptor, localizado em um outro recorte espaço-temporal diferente do transmissor, possui os mesmos conhecimentos dos signos, ambos têm um repertório comum. Concluímos que o ato da comunicação é a ação do emissor acessar seu repertório com um número n de signos pertencentes a n tipos e juntá-los numa sequência que chamamos de mensagem; e a recepção é a identificação destes mesmos signos identificados pelo receptor em seu próprio repertório, permitindo-o prolongar os atos ou percepções do emissor numa experiência vicária (vicarious experience)[1], logo, uma reunião de signos é transmitida do emissor ao receptor por meio de um canal físico (imagem, som, texto) com o caráter essencial de modificar o comportamento visível ou futuro do receptor ao decodificar a mensagem (MOLES, 2005, p. 72). Décio Pignatari assim utiliza a Teoria da Comunicação:

Utilizamos a expressão Teoria da Informação no seu significado abrangente, isto é, de modo também a compreender também a comunicação, uma vez que não há informação fora de um sistema qualquer de sinais e fora de um veículo ou meio apto a transmitir esses sinais (PIGNATARI, 1971, p. 13)

 No livro O Cartaz, de Abraham Moles, o autor apresenta seis funções do cartaz, dentro do contexto urbano, como sistema de suporte publicitário em uma sociedade de consumo. Eis as funções:  

1)    Função informativa: mais ligada à linguística, especialmente à semântica geral, ligada a uma ciência do signo (semiótica), a uma teoria do esquematismo, a uma sintática a reger as conjunções dos signos para difundir a informação, fazer o anúncio;

2)    Função publicitária ou de propaganda: onde a argumentação é o instrumento utilizado para seduzir ou convencer o receptor da informação ou consumidor da mercadoria anunciada. Aqui o cartaz quer ser explícito, “expressionista” em sua essência para exprimir algo do real mais que o real, sugerindo um critério de valor estético;

3)    Função educadora: diferentemente da função cultural, condiciona a massa dos receptores a certos valores, sendo um elemento ou agente de cultura que - na sociedade urbana, cercada de imagens dos mais amplos e poderosos fatores como as vitrinas das lojas, por exemplo – possui um fator de autodidaxia: autoformação do indivíduo pela contemplação a um nível de atividade quase passiva, de um determinado número de imagens consideradas elementos de cultura, como conhecimentos de objetos, funções e serviços, imagens de países longínquos, valores políticos, entre outros que, fornecidos aos adultos por este permanente ensino que são igualmente o cartaz, o jornal e a vitrina;

4)    Função de ambiência: ligada à psicologia do umwelt (ambiente) urbano onde o cartaz é um elemento que compõe a paisagem urbana;

5)    Função estética: o cartaz sugere mais do que diz, como a poesia, ao evocar imagens memorizadas atraindo uma série de conotações que constituem um campo estético superposto ao campo semântico. 

A grande regra de todas as regras para comunicar é a de agradar (Boileau) e agradar significa, entre outras coisas, ter um valor estético, ultrapassar a significação, criar ao redor desta, um campo estético explorado pelo artista. O jogo de cores e das formas, o jogo das palavras e das imagens, o contraste e a suavidade, são fatores onde se exerce sua função artística (MOLES, 2005, p.55) 

6)    Função criadora: “levará a enunciar os elementos de uma política cultural examinando as relações do artista gráfico e do cartazista com outros membros da cidade artística e com os valores da sociedade global” (MOLES, 2005, p.55). Representa uma função alienadora ao cidadão, cria para os artistas um campo de possibilidades sendo a fonte de todo um movimento, restando ainda uma função social de criação artística absoluta, tornando-os objeto de coleção nas iconotecas da cultura cumulativa.

Considerando estes fatores e possibilidades onde o cartaz se estende às outras criações artísticas, com a confluência de imagem e palavras, a polissemia se torna uma ferramenta muito útil nas estratégias publicitárias por conter ambiguidades, principalmente na função publicitária ou de propaganda, por ser muito adaptável aos fatores temporais e manter a criatividade como o grande diferencial para o sucesso e sugerindo diferentes significações ao público, tornando a propaganda atrativa com a clareza da mensagem envolta em névoas, onde sugerir é a palavra-chave da linguagem da propaganda e a retórica é um ingrediente fundamental, pois é considerada a “arte de persuadir, de convencer e de levar a ação por meio da palavra” (SANDMANN, 2021, p. 12), no entanto, não será explorada neste trabalho. A título de conhecimento, outras ferramentas linguísticas que são muito úteis na linguagem da propaganda, por exemplo, o uso de grafias exóticas no aspecto ortográfico; rima, ritmo, aliteração e paronomásia, nos aspectos fonéticos; as criações lexicais mais ou menos marginais e ressegmentações, nos aspectos morfológicos; a topicalização, paralelismos e simplicidade estrutural, nos aspectos sintáticos; jogos com frases feitas e com palavras; desvios linguísticos da norma padrão ou do sistema concebido mais abstratamente, entre outros recursos ainda disponíveis, como as definições de semiótica que também se faz fundamental para uma compreensão mais ampla e completa do tema e será abordado pontual e resumidamente, mas, para não se estender longamente, o foco permanecerá nos aspectos semânticos, especificamente o uso da polissemia na propaganda.


A POLISSEMIA NA LINGUAGEM DA PROPAGANDA 

 

A polissemia em conjunto com a homonímia são fenômenos geradores da ambiguidade lexical, uma das classificações de ambiguidade que é “um fenômeno semântico que aparece quando uma simples palavra ou um grupo de palavras é associado a mais de um significado” (CANÇADO, 2022, p. 70), logo, esses dois fenômenos focarão na análise do item lexical.

Vejamos como a polissemia se aplica no contexto da propaganda onde trabalhará (ou melhor, brincará) com o duplo sentido das palavras, pois bem como descreve o linguista Antonio Sandmann:

Pode-se perguntar: qual o sentido dessa duplicidade de sentido? E a resposta não parece difícil. É fazer um jogo com as palavras, é entreter o destinatário, desafiá-lo a entender a mensagem, prender sua atenção, e, em última análise, fazê-lo consumir o produto ou servir-se de um serviço (SANDMANN, 2021, p. 74).

 

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Na figura acima, a propaganda do Novo Dicionário Aurélio nos mostra que a polissemia além de proporcionar a necessária e almejada economia linguística com o objetivo de “economizar as entradas lexicais numa língua, evitando a exacerbação de termos dentro de um sistema linguístico e valorizando, de certa forma, a captação de sentido através do contexto em que determinado signo está inserido” (MALFACINI; BEAUCLAIR, 2021, p. 25). A economia linguística pode conferir um caráter ambíguo às palavras ou expressões, como “bom pra burro” na propaganda do dicionário, por exemplo, pois além de denotar “boa qualidade”, no sentido habitualmente empregado, “algo muito bom ou ótimo ou estupendo”, também pode adquirir um sentido pejorativo, até com uma certa acidez, podendo até ser interpretado como um produto de qualidade negativa se lido no sentido literal, o qual o dicionário é direcionado a pessoas consideradas “burras”. Como adjetivo, esta palavra possui o sentido de “pessoa ignorante, inculta”, diferentemente se fosse substantivo, pois significaria o animal da classe dos asininos, o “burro”, da família dos equinos, cuja característica é a teimosia que depois passou a ser considerada como traço de inculturação. O objetivo da polissemia nesta propaganda é atribuir bom humor ao público-alvo. O exemplo dessa expressão também serve como exemplo sobre o que Ullmann (ULLMANN, 1987, apud MALFACINI; BEAUCLAIR, 2021, p.31) descreve como mudanças de aplicação, nomeado como uma das fontes da polissemia, segundo o linguista, ressignificando os itens lexicais contemporaneamente à língua.

As próximas duas propagandas têm a meta de ilustrar a diferença entre polissemia e homonímia, controverso assunto que é visto por diferentes prismas linguísticos, adoto a explicação de Márcia Cançado e Antônio Sandmann onde “polissemia ocorre quando os possíveis sentidos da palavra ambígua têm alguma relação entre si” (CANÇADO, 2022, p. 72), como ocorre com a palavra “criação” na propaganda do Dia das Mães de maio de 2012, enquanto que “homonímia ocorre quando os sentidos da palavra ambígua não são relacionados” (CANÇADO, 2022, p. 71), como no exemplo abaixo da palavra “muda”.


 

A palavra “muda” neste cartaz possui um sentido ambíguo. Intencionalmente, ela significa “mudança”, pois “muda” aqui está no sentido do verbo “mudar”. O leitor desatento pode entender “família muda” no sentido de uma família de pessoas que, devido a limitações ou a alguma patologia fonoaudióloga, não podem fazer uso ou perderam a capacidade de falar. Uma sugestão para evitar a ambiguidade seria escrever: “Família de mudança vende tudo”. Como a palavra “muda” aqui possui sentidos não relacionados, do verbo mudar (de lugar) e da inaptidão de falar, ocorre homonímia e não polissemia, conforme explica a linguista Márcia Cançado.

 

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Para o Dia das Mães, a palavra “criação” está intimamente ligada à mulher, pois se adequa a ela em duas etapas da vida de uma mãe, sendo a primeira ao nascimento, de “criar” uma vida (Ato ou efeito de criar – Dicionário Michaelis Online) e depois de “criar” no sentido de “educação, formal ou não, de uma pessoa” (Dicionário Michaelis Online). Aqui vemos a polissemia e não a homonímia, pois os sentidos da palavra “criação” têm relação entre si.

Veremos nos próximos exemplos abaixo que os conceitos apresentados sobre a polissemia e seu uso nas propagandas se aplicam não somente em português brasileiro, mas também em outras línguas, países e culturas. Seguem experiências de propaganda produzidas na França, nos Estados Unidos, no Reino Unido e na América Latina.

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A Volkswagen, defensora do lema "Pequeno é bonito", lança: “C’est grand[2] d’être petit!” ("É grande ser pequeno!", literalmente). “Grande” aqui neste contexto possui o significado de “nobre”, então podemos também traduzir como “É nobre ser pequeno”, ocorrendo uma polissemia neste exemplo, e, além da polissemia, vemos a presença da antonímia como sua fonte geradora na relação “grand/petit” (“grande/pequeno”), com a oposição de sentidos das palavras. Essa relação antonímica não trata de antônimos perfeitos, ainda mais com o contexto de “grande” na propaganda, pois,

tais visões sobre relações de oposição de sentido são, de fato, conflitantes, e, assim como não há sinônimos perfeitos, também se nega a ocorrência de antônimos perfeitos, ou, como propõem alguns autores, há uma ocorrência rara desses fenômenos (MALFACINI; BEAUCLAIR, 2021, p. 96)


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O anunciante do produto Nicorette Skin - utilizado como adesivo de nicotina por quem quer parar de fumar -, brinca com a polissemia do nome “tabac” (tabaco)” que o conhecemos pelo odor desagradável em sua queima e pelo fator cancerígeno que ele apresenta e é amplamente divulgado e combatido por campanhas ao redor do mundo, em contra partida, a expressão popular “faire un tabac (ter um grande sucesso)” segue na contramão, no entanto, os sentidos têm relação entre si, pois mesmo cancerígeno, o tabaco ainda é um sucesso de vendas por meio dos cigarros e seus derivados (cachimbos, charutos, etc.) comercializados.

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Neste anúncio do banco postal, a polissemia está presente no duplo sentido do verbo “épargner” (poupar, investir as poupanças) e sua forma pronominal “s’épargner” (poupar-se, isentar-se de algo), os sentidos possuem relação entre si, ambas pertencentes ao mesmo campo semântico, então temos este jogo de palavras: “Eu me poupo do stress, eu poupo no Banco Postal”. Utilizaremos o conceito de campo semântico definido por Mattoso Câmara Jr.: “campos semânticos são constituídos por palavras que apresentam traços semânticos comuns, (...) representam famílias ideológicas” (MATTOSO CÂMARA JR. apud MALFACINI; BEAUCLAIR, 2021, p. 123)

 

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Para a campanha de orientação profissional, o site francês, L'etudiant.fr, pergunta aos jovens: "Têm a certeza da profissão que vão escolher?". Neste contexto, o verbo "manipular"[3] é usado tanto no sentido médico, de manipular um paciente com as mãos, na atividade da fisioterapia, quanto no sentido psicológico, de influenciar, pois vemos a pequena figura de uma mulher vestida de diabo no ombro esquerdo da moça da figura, vestida de vermelho e com um tridente na mão direita, que, metaforicamente, representa o lado mal de nossa consciência, como nos desenhos animados onde a figura do “anjinho” e do “diabinho” tentam convencer o/a protagonista a se decidir qual ação tomar. Vejamos: ”Plus tard je voudrais être kiné (kinésithérapeute ou physiothérapeute) pour manipuler les hommes / Mais tarde (futuramente), eu gostaria de ser fisio para manipular os homens)”.

Agora entraremos nos anúncios com apelo sexual, algo que inclui também o campo semiótico ao fazer uso de imagens, signos não-linguísticos plenos de linguagem corporal, mas também inclui signos linguísticos com o máximo uso e abuso do poder de fogo das palavras e expressões ambíguas. “De maneira geral pode-se dizer que as figuras de linguagem são formas de expressão que fogem da linguagem comum, emprestando à mensagem, maior vivacidade, vigor e criatividade, dependendo esta última qualidade naturalmente da maior ou menor originalidade” (SANDMANN, 2021, p. 85).  No Brasil, o apelo sexual pode atentar contra a ética do profissional da propaganda, regulada pela alínea a da Seção 3ª do Decreto nº 57.690/66[4], que pode, mesmo sem intenção, criar um julgamento de valores em torno da campanha, por vezes negativo.

 

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A Natan, uma joalheria de Lima, Perú, é prova inequívoca do apelo sexual questionável. Vejamos a campanha do dia dos Namorados do ano de 2021. A primeira imagem mostra uma mulher vestida de minissaia preta, sentada na cadeira com as pernas cruzadas e na frente, uma mão segurando uma caixa de joia fechada. Na imagem seguinte, a caixa se abre e o anel (provavelmente de noivado) se mostra e, com a abertura da caixa, as pernas da mulher também se abrem, logo isso nos mostra uma metáfora que relaciona a abertura da caixa da joia concomitantemente com as pernas. Um conteúdo carregado de apelo sexual mostrando que para a mulher “abrir as pernas”, basta “abrir uma joia ou anel” como proposta do dia dos namorados.

“Na metáfora há uma transferência, quer dizer, com base na semelhança, um significante de signo passa a referir-se a outro objeto ou fato de outro universo” (SANDMANN, 2021, p. 85). Certamente muito convincente, mas que pode causar oposições do público cujo alvo são os que vão presentear, os homens, pertencente ao universo masculino, certamente. Note que a qualidade vestimenta sempre indica a classe social do público-alvo. Jubran vai direto ao ponto nesta explicação:

O processo metafórico capta com mais eficácia a atenção do leitor, preenchendo o objeto básico da propaganda: o de provocar, através da elaboração da mensagem, o estranhamento do leitor e, a partir daí, fazer com que ele se interesse pelo texto e, consequentemente, pelo que é propagado (JUBRAN, 1985, apud SANDMANN, 2021, p. 13)

Complementando a explicação metafórica acima, na análise semiótica da propaganda, nas palavras de semioticista Lúcia Santaella, vemos o público-alvo representado ao nível do símbolo, neste caso da Natan, homens que visam tocar emocionalmente as mulheres que querem “presentear” com uma segunda intenção em mente, esperando por uma recompensa, no caso, a “abertura das pernas” da presenteada.

Os vários traços de distinção com que os produtos (...) foram relançados no mercado trazem a distinção em seus dois sentidos: o sentido denotativo, sentido literal daquilo que se distingue porque é diferente, e o sentido conotativo, figurado, daquilo que se distingue por superioridade. De onde vem essa superioridade? Esses traços de distinção na realidade se constituem em símbolos que sustentam valores que advém dos avanços científicos técnicos e estéticos da vida moderna. Trata-se de símbolos, portanto, que representam, sem equívoco, a quem os produtos se destinam (...). (SANTAELLA, 2019, p. 63)

No caso seguinte, da empresa automobilística estadunidense Pontiac, vemos o público-alvo masculino também sendo recompensado pela escolha da compra de seus produtos já no próprio slogan, algo que se encontra no subconsciente do consumidor: ao comprar um Pontiac, as mulheres lhe abrirão as pernas! O símbolo aqui é o homem moderno em busca de aventuras amorosas, de bom gosto e alta classe.

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Eis o slogan utilizado pela aclamada marca de carros nesta propaganda: “Spread your legs! – Enjoy maximum leg-room in the new Pontiac Star Chief” (“Abra suas pernas! – Curta o máximo espaço para as pernas no novo Pontiac Star Chief”), trata-se de algo muito direto, não é? De fato, a propaganda chama a atenção para o vasto espaço disponível para esticar as pernas nos bancos traseiros do modelo lançado em 1957, onde o passageiro não precisaria ficar com as pernas comprimidas ou apertadas, proporcionando assim um máximo conforto, um diferencial às outras marcas competidoras. Notamos o duplo sentido, metafórico, na expressão “Spread your legs!” (“Abra suas pernas!”), com forte apelo sexual, pois a expressão do campo semântico e lexical sexual foi deslocada ao ambiente da propaganda, o apelo se reforça pela imagem da mulher sendo conduzida pelo homem, ambos em traje de gala (indicando a classe econômica alvo de consumidores), a entrar no banco traseiro do veículo, já se pode concluir como terminará a noite do casal. Porém, se deixarmos a luxúria de lado por um instante e lançarmos um olhar puramente linguístico, veremos que a expressão nada mais significaria “Stretch your legs!” (“Estique suas pernas!”). Nada como uma ambiguidade polissêmica com alto teor sexual relacionada à abertura de pernas femininas para chamar a atenção do público-alvo no ano de 1957: os homens, pois ainda não havia se tornado comum que as mulheres pegassem no volante. Nos dias atuais essa propaganda seria desveículada e a empresa poderia ser até processada por ser sexista e depor contra a integridade moral das mulheres, esse era o zeitgeist de uma época, mas os tempos mudam. Uma propaganda de forte apelo semântico e semiótico. Aqui ocorre o fenômeno que é também conhecido como “desmetaforização”, um neologismo, onde “uma expressão, sintagma ou frase tem uma leitura mais conhecida ou consagrada em seu sentido figurado. Ora, o texto de propaganda usa essa sequência em contexto em que seu sentido, sua leitura é literal (SANDMANN, 2021, p. 87)

Continuando a referência do zeitgeist, ou esprit du temps, ou ghost of time, expressões que remetem ao “espírito do tempo” de uma época, enfim, características que marcam uma geração ou um determinado período no tempo e terminam por datar as expressões usadas nas propagandas de outrora que não mais se encaixam na contemporaneidade e podem gerar polêmicas e confusões, chegando a manchar o nome de uma marca. Vejamos os exemplos de cartazes de propaganda abaixo com sentido perigoso para os tempos atuais:


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Nesta propaganda veiculada em 1947 no Reino Unido pela empresa têxtil Jester Wools, vemos o uso da palavra gay antes de se tornar polissêmica. Originalmente com o sentido de “alegre, feliz”. “I’ve robbed the Rainbow to make you gay (“Eu roubei o arco-íris para fazê-la feliz/alegre”). Nos tempos atuais essa propaganda geraria polêmica, pois gay adquiriu um novo sentido, houve uma ressignificação, como conceitua Ullman nas mudanças de aplicação, visto anteriormente e, atualmente, ela também designa pessoas homossexuais de ambos os sexos, logo se fosse veiculada atualmente, ela seria voltada exclusivamente ao público gay ou acabaria direcionando seus produtos a eles, podendo até ser encarada como uma provocação, dependendo dos olhos de quem vê o anúncio, então é preciso estar atento a estes detalhes. Ocorre com a palavra gay o que conhecemos como lexicalização ou idiomatização, onde gay, outrora um adjetivo que possuía o sentido de pessoa “feliz/alegre” na língua inglesa, atualmente adquiriu um novo sentido, o de substantivo que representa uma pessoa homossexual, tendo seu sentido original caído em desuso e que não será mais desvinculado.

Na próxima propaganda vemos algo que pode ser visto até como antiético, a seguradora britânica Albany Life, uma subsidiária da seguradora estadunidense Metropolitan Life ou MetLife, fundada em 1975, poderia até estimular ideias criminosas com a venda de seus seguros de vida com um anúncio tão detalhado sob o título: “Are you making plans for your wife’s death? (“Você está fazendo planos para a morte da sua esposa?”). Uma frase cujo sentido denotativo seria o planejamento da morte da esposa na mente de um marido mal intencionado, que realmente pensa em tirar a vida da esposa, infelizmente algo ainda muito comum com os crimes de feminicídio que é visto na grande mídia. Nesta propaganda de seguro de vida, este enunciado assume um sentido figurado, o de se planejar ou estar preparado para a morte da esposa com tantos perigos espalhados pelo lar que o cartaz chama a atenção, sendo bem convincente e apelativo com dados estatísticos. Uma frase que caberia na mente de um potencial assassino como “planejar a morte da esposa” torna-se uma boa chamada para a compra de seguros, e não deixa de ser uma boa ideia ao marido - mal intencionado e de mente criminosa - que pode ter uma amante e quer ficar livre da esposa, lucrando no final, sobretudo. Nos Estados Unidos, muitos crimes de envenenamento, acidentes e assaltos são planejados já com o intuito em receber o seguro de vida por parte do contratante e beneficiário, portanto, uma propaganda bem polêmica e que proporciona ampla discussão ética. Novamente vemos o uso da “desmetaforização” nesta propaganda.

Disponível em https://br.pinterest.com/krowwf/ambiguous-ads/

 

Por último, vejamos o uso da metonímia como função criadora da polissemia nas propagandas abaixo, prevalecendo a associação entre imagens e palavras.

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Tendo em mente que a Mensagem Linguística é dada pelo texto, dessa forma orientando diretamente o leitor entre os significados da imagem, leva-o antecipadamente à direção escolhida. No anúncio do Leite Nido (Leite Ninho, no Brasil), o slogan “Huesos sanos y fuertes” (“Ossos saudáveis e fortes”) fixa uma relação que complementa a imagem. O signo é de fato o direito do consumidor de controle sobre a imagem, ele tem uma responsabilidade pelo uso da mensagem: ossos fortes. Vê-se a associação metonímica entre a caneleira significando proteção aos ossos, uma imagem poderosa, designando “denotação ou palavra denotativa quando um signo linguístico se refere a um objeto ou a qualidades de um objeto de forma objetiva” (SANDMANN, 2021, p. 77); e “se envolvermos a palavra de emocionalidade, temos conotação ou palavra conotativa (SANDMANN, 2021, p. 77) com o aspecto cultural de que o leite é a maior fonte de cálcio e a tornozeleira está instantaneamente vinculada ao esporte (futebol, skate, hóquei, etc.), portanto o copo de leite significa o filho do consumidor, o público-alvo, logo o Leite Ninho é a proteção para os ossos seu filho que poderá brincar com segurança!

Veja que o apelo é feito com a associação da imagem ao slogan. Somado à imagem manifestamente marcante, as letras miúdas esclarecem os benefícios do Leite Ninho. Nas palavras de Antonio Sandmann,

Como na metáfora, na metonímia também temos uma transferência, isto é, um significante de signo, passa a referir-se a outro objeto ou fato de nosso universo, só que a base da transferência é outra: é a contiguidade, é a associação espacial, histórica (SANDMANN, 2021, p. 88)

A fragilidade do copo simbolizando a fragilidade do osso a ser protegido e o branco do leite relaciona-o com o branco do sistema ósseo, logo, propositalmente a canela também é branca e associada ao vidro. Podemos também considerar essa imagem como uma metáfora visual na qual o copo de leite representando o osso que se tornará tão forte como se protegido por uma caneleira. A imagem é claramente polissêmica, pois possui um grau de sugestão que permite diferentes leituras, o copo com leite e a caneleira proporcionam uma ambiguidade que permite diferentes interpretações ao consumidor, sugestionando o significado.

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Concluindo as análises, o mesmo podemos ver na propaganda da marca de tênis esportivos estadunidense New Balance o slogan “Corre con el Corazón” (“Corra com o Coração”). Nitidamente vê-se o par de tênis juntamente com cantis d’agua e fones de ouvido, apetrechos indispensáveis aos corredores modernos, propositalmente nas cores vermelha e branca, cada pé de tênis representando um ventrículo, formando uma perfeita imagem de coração com suas veias, artérias e gorduras, a metonímia em pleno uso significando que a marca está no coração do corredor.

 

 

CONCLUSÃO

 

Por meio deste trabalho, procurou-se demonstrar o poderoso e versátil papel da polissemia no contexto da linguagem da propaganda, resultante da “criatividade incansável do propagandista ou publicitário na busca incessante de meios estilísticos que façam com que o leitor ou o ouvinte preste atenção ao seu texto, chocando-o até se for necessário” (SANDMANN, 2021, p. 12). Aliás, chocar é palavra de ordem, algo que se tornou um diferencial para se destacar nessa gigantesca selva publicitária onde se briga ferozmente palmo a palmo por cada produto a ser promovido, na guerra para conquistar a atenção do público, vale tudo! Diga-se de passagem, uma guerra de conotações darwinianas onde somente os mais fortes permanecerão, é a lei da selva de pedra, isso porque estamos falando somente da propaganda impressa, estática, aquela publicada em jornais, revistas, cartazes e páginas da internet, sem explorar o desmedido potencial das propagandas com o apelo do movimento de imagem, de qualidades cinematográficas, onde a associação entre o som e a imagem em movimento adquirem outra dimensão na busca pela atenção dos consumidores. Como bem descreve Umberto Eco:

A técnica publicitária, nos seus melhores exemplos, parece baseada no pressuposto informacional de que um anúncio atrairá a atenção do espectador quanto mais violar as normas comunicacionais adquiridas (e subverter, destarte, um sistema de expectativas retóricas) (ECO, 1976 apud SANDMANN, 2021, p. 47)

E também Roman Jakobson, associando ao conceito de arte:

É sobre o pano de fundo da tradição que a inovação é percebida. Os estudos formalistas têm demonstrado que é essa simultaneidade entre a manutenção da tradição que forma a essência de toda inovação em arte. (JAKOBSON, 1971 apud SANDMANN, 2021, p. 47)

Depois destes exemplos e explicações acerca da linguagem e da propaganda, tendo o cartaz (e seus derivados) como um forte exemplo, fica difícil não concordar com o poder mágico das palavras, que elas nos levam ao céu e ao inferno, que mexem com nosso consciente e nosso subconsciente, sendo que, com a chegada do pensamento científico, tudo pôde ser devidamente explicado, testado e comprovado, mas a mística em torno do poder da palavra permanecerá, sem dúvidas, pois elas emanam de seus emissores, que são humanos e de origem incerta. No nível psicológico,

A linguagem, contudo, permite analisar e criticar as ideias, constituindo-se, dessa forma, no instrumento indispensável para a distinção entre os pensamentos e para a classificação e designação adequada dos objetos. Mas a significação dos símbolos, dos signos linguísticos, deveria provir de algum fator dado e com sentido próprio, pois o signo mesmo envolve ambiguidade e possibilidade de equívoco. (...) As diferenças entre os objetos, a apreensão de suas características peculiares, de suas distinções originárias, seriam intrínsecas ao processo perceptivo e à discriminação sensorial e sensível como tal. A linguagem apenas denota, designa, nomeia, aquilo que é dado primariamente aos sentidos. Se tirarmos todo o edifício construído pela linguagem e pelo pensamento, permanecerá intacto o estrato original da experiência, o mundo sensível na sua certeza inexpugnável. (...) Vista no seu conjunto, a linguagem é o instrumento da humanização. Ela penetra o processo perceptivo, desde suas articulações básicas – no fenômeno expressivo -, até as realizações supremas da vida intelectual. (MELSOHN, 2001, p. 59 e 103)

Palavras podem dar ânimo, podem matar, levar ao desespero, fazer-nos surtar, mas também nos fazer viajar a mundos “inexploráveis” que residem na mente de cada pessoa, talvez a palavra seja o maior representante da humanidade, seu porta-voz, literalmente. Portanto, a polissemia na linguagem da propaganda dá asas à imaginação dos publicitários que produzem, por vezes, “clássicos” da propaganda com anúncios que nos marcam por anos ou pela vida toda, alguns tornam-se ponto de referência de produtos ou serviços. O jogo de palavras, a ambiguidade, os trocadilhos, a ressignificação e a ampliação dos significados são características inerentes à essa ferramenta utilíssima que se tornou a polissemia e vem se aprimorando ao longo do tempo, ela proporciona essa subversão e o apelo que a propaganda tanto necessita para atrair a atenção e literalmente “parar o trânsito” com outdoors espalhados pelas grandes metrópoles, não por menos que na cidade de São Paulo seu uso foi proibido para evitar a poluição visual pelo ex-prefeito Gilberto Kassab, mas quem não gosta de se deixar seduzir pela propaganda? Bem, não responda agora, você vai perceber quando estiver “enfeitiçado(a)/seduzido(a)” ao ouvir uma buzinada no semáforo pela sua distração.


Referências bibliográficas

CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática. Petrópolis: Vozes, 2002. In: MALFACINI, Ana C. dos S.; BEAUCLAIR, Marcelo G. Relações Lexicais: Uma Introdução à Semântica, volume 1 (Sério Português na Universidade). Rio de Janeiro: Ed. Telha. 152p. 

CANÇADO, Márcia. Manual de Semântica: Noções Básicas e Exercícios. 2. Ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2022. 190p. 

ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1976.In: SANDMANN, Antonio. A Linguagem da Propaganda. 10. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2021. 99p. 

FIORIN, José Luiz. Introdução à Linguística I: Objetos Teóricos. 6. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2018. 227p. 

MALFACINI, Ana C. dos S.; BEAUCLAIR, Marcelo G. Relações Lexicais: Uma Introdução à Semântica, volume 1 (Série Português na Universidade). Rio de Janeiro: Ed. Telha. 152p. 

MELSOHN, Isaias. Psicanálise em Nova Chave. 1. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001. 334p. 

MOLES, Abraham. O Cartaz. 1. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005. 255p. 

JAKOBSON, Roman. A Dominante. In: L. Matejka e K. Pomorska (eds.). Readings in Russian Poetics, Cambridge e Londres, 1971. In: SANDMANN, Antonio. A Linguagem da Propaganda. 10. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2021. 99p. 

JUBRAN, Clélia A.S. A Metáfora e a Metonímia na Linguagem da Propaganda. In: X Anais de Seminários do GEL. Bauru: 1985. In: SANDMANN, Antonio. A Linguagem da Propaganda. 10. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2021. 99p. 

PIGNATARI, Decio. Informação, Linguagem, Comunicação. 5. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1971. 146p. 

PERINI, Mário A. Princípios de Linguística Descritiva: Introdução ao Pensamento Gramatical. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial. 2006. 522p.

 SANDMANN, Antonio. A Linguagem da Propaganda. 10. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2021. 99p. 

SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2018. 240p. 

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28. ed. São Paulo: Ed. Cultrix, 2012. 312p. 

ULLMANN, Stephen. Semântica: Uma Introdução À Ciência Do Significado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. In: MALFACINI, Ana C. dos S.; BEAUCLAIR, Marcelo G. Relações Lexicais: Uma Introdução à Semântica, volume 1 (Sério Português na Universidade). Rio de Janeiro: Ed. Telha. 152p.



Notas explicativas (originalmente, notas de rodapé no arquivo formal).

[1] Experiência vicária: as pessoas constroem julgamentos acerca das próprias capacidades por meio da observação de modelos (não físicos, mas sociais). Observar alguém que o sujeito julga como semelhante executando determinada ação pode fazer com que esse sujeito se sinta capaz de fazer o mesmo. Fonte: Pesquisa em Ensino de Física • Rev. Bras. Ensino Fís. 41 (2) • 2019 • https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0188.

[2] Grand, grande: 6. O que é notável por sua elevação, sua nobreza: apelar para grandes sentimentos. Sinônimos: elevado, nobre. Fonte : Larousse.fr

[3] Manipular – 1. Preparar, dar forma, tocar, segurar ou transportar com as mãos; 3. [FIG] influenciar ou controlar um ou mais indivíduos de maneira ilegítima e de acordo com os próprios interesses; sugestionar. Fonte: Dicionário Michaelis Online. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/manipular/. Consulta em 14/01/2023, 05:56.

[4] Seção 3ª do Decreto nº 57.690/66 - Art. 17. A Agência de Propaganda, o Veículo de Divulgação e o Publicitário em geral, sem prejuízo de outros deveres e proibições previstos neste Regulamento, ficam sujeitos, no que couber, aos seguintes preceitos, genericamente ditados pelo Código de Ética dos Profissionais da Propaganda a que se refere o art. 17, da Lei 4.680, de 18 de junho de 1965:

I. Não é permitido:a) publicar textos ou ilustrações que atentem contra a ordem pública, a moral e os bons costumes;Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d57690.htm, consulta em 14/01/2023.

 

 

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