FILME nº 8 - O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO - de D.W. Griffth (1915)


 
O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO (THE BIRTH OF A NATION), escrito e dirigido por David Wark Griffith ou simplesmente D. W. Griffith no ano de 1915, um verdadeiro marco no cinema estadunidense e nos efeitos que estavam nascendo, mas também um marco negativo, pois o racismo aqui acontece de forma descarada e pavimenta o caminho para a reascensão da Ku Klux Klan (KKK), baseado no romance "The Clansman" (O Membro do Clan), de Thomas Dixon Jr., um épico dividido em duas partes, publicado em 1905, que narra o impacto da Guerra Civil em duas famílias: os Stoneman ao Norte e os Cameron ao Sul, cada qual em lados separados do conflito. A primeira metade do filme se passa a partir do eclosão da guerra através do assassinato do Pres. Abraham Lincoln e a seção final trata do caos vivido no período da Reconstrução.

 
Sobre o autor Thomas Dixon Jr., a sua obra The Clansman e a Ku Klux Klan
 
Para quem nunca teve contato com o escritor Thomas Dixon Jr. e sua obra, o romance em questão faz parte da trilogia da reconstrução após a Guerra Civil Norte-Americana (1861-65), formada pelas obras: The Leopard’s Spots (1902), The Clansman (1905), and The Traitor (1907). Os romances relatam a reação sulista durante a ocupação nortista para reconstruir o país após a guerra e a ascensão e queda da Klan em sua primeira fase, miticamente fundada na data de 24 de Dezembro de 1865, na cidade de Pulaski, Tennessee, por confederados veteranos, no entanto, sua provável e real fundação se deu no ano de 1966, uma data muito imprecisa, portanto, considera-se àquela. Ku Klux Klan é uma palavra composta e derivada da palavra grega kyklos, que significa “círculo,” e a palavra gaélica-escocesa “clan.”. 
 
No século XVIII, um homem de letras ainda desprezava a Idade Média e suas produções românticas, hoje chamadas de “romances de cavalaria”, assim como outras produções literárias medievais, hoje são um objeto de estudo. A , que originalmente era apenas uma comissão criada por Colbert dentro da Academia Francesa, recebeu regulamento em 1701 e recebeu seu nome em 1716: a partir de 1717, começou a publicar estudos sobre a literatura do Idade Média em suas memórias. Um dos membros mais antigos da Academia de Inscrições e Belas Letras é Jean-Baptiste de La Curne, de Sainte-Palaye (1697-1781) que publicou na década de 1730 uma série de Mémoires concernant la lecture des anciens romans de Chevalerie que foram preparatórias para a sua Mémoire sur l’ancienne chevalerie, publicado em 1746.

"É nos nossos romances, imagens dos nossos antigos costumes, segundo Pasquier, que encontraremos o conhecimento mais detalhado sobre a antiga forma de fazer a guerra, sobre os direitos e dependências dos diferentes graus de feudatórios, sobre os salários da batalha, sobre a administração da justiça, sobre nobreza e cavalaria, armaduras, brasões, torneios, etc." (de la Curne, 1746).
 
Muitas das características destes romances de cavalaria são vistos no romance de Thomas Dixon Jr. A Klan combina um misto de filosofia de supremacia branca com violência no intuito de controlar a população negra livre. O romance "The Clansman" mostra o uso do terror como forma de controle de suas vítimas e foi considerada a primeira célula terrorista do país, utilizando-se de uma aura sobrenatural de suas vestimentas e de cruzes em chamas para inspirar tal terror. As tramas deste romance, em grande parte, envolvem disfarces e maravilhas ou alguma forma de sobrenatural, assim como a Klan, que utiliza uma dimensão sobrenatural para inspirar terror. Dr. Cameron se torna a figura do sobrenatural: um vidente místico e sumo sacerdote da cerimônia da Cruz de Fogo no final do romance, justificando o linchamento de Gus, o soldado estuprador. O gênero romance também envolve ritual e cerimônia. "Os cavaleiros estão, como Ben Cameron, cerimonialmente armados. A heráldica, que é o estudo dos emblemas blasônicos, com a simbologia presente como “círculo escarlate e cruz branca no peito de cada homem” e nos cavalos, fazem parte do romance e deste romance. O uso do número três também é um elemento de romance: daí as três letras: KKK. O romance também envolve um Código de Cavalaria, e o da Klan é “Cavalaria, Humanidade e Misericórdia”, valores tradicionais do romance medieval, e Patriotismo, o acréscimo americano. O triunfo do cavaleiro, neste romance, sobre o monstro do caos, aqui, a fera negra exemplificada por Gus, o estuprador, beneficia um grupo ou nação." (https://sacredmattersmagazine.com/dixon-the-clansman/)
 
O Estado da Carolina do Norte é visto como uma extensão da nação escocesa na América do Norte. De acordo com Ishmael Reed, autor de “The Celtic in Us” (2010), descreve a situação da seguinte maneira: “Na Carolina do Sul, que alguns veem como um território ultramarino da Escócia – a bandeira confederada é uma duplicata da bandeira da Escócia e muito do simbolismo KKK é derivado da tradição escocesa ”. Ao longo do romance, principalmente após o fim da Guerra Civil, vemos o inimaginável na trama: “Na ficção de Dixon, uma ameaça ao código da democracia americana e à pureza anglo-saxônica surge na Reconstrução. Eventualmente, essa ameaça é enfrentada quando um código ainda mais antigo, o código de honra dos clãs escoceses, é evocado. A Klan surge porque os descendentes dos clãs escoceses herdaram as tendências raciais que tornam inevitável a defesa da supremacia branca". Dixon retrata os escoceses como representantes da “civilização” ariana branca, indo além dos princípios democráticos americanos, como se eles fossem uma espécie de "realeza oculta" na América, como uma suposta “herança de sangue real". Sendo eles puros, o símbolo máximo da pureza é a mulher branca do sul, pois ela dará a luz aos novos herdeiros. Marion Lenoir, a mulher que o soldado Gus viola e que, juntamente com a mãe, comete suicídio, é o símbolo da pureza escocesa, descritas na narrativa como pertencente “à aristocracia da poesia, da beleza e do valor intrínseco”. Gus, o capitão negro da Union League, é o oposto dela, um '”negro de lábios grossos, nariz chato e pernas fusiformes, exalando seu odor nauseante de animal'”, de acordo com a descrição de Dr. Cameron, ex-mestre de Gus e principal porta-voz. para o racismo científico e o vidente místico do romance o descreve". A linguagem da obra é toda baseada nos códigos de cavalaria, revelando os personagens principais do romance, como Ben Cameron, relatado como nobre - Ben é chamado de “Sir Knight”. 
 
 
Sobre a versão cinematográfica de Griffith
 
Toda essa simbologia, além de outros pontos foram carregados à narrativa cinematográfica de Griffith, tornando-o o marco do cinema hollywoodiano, o primeiro blockbuster da história da sétima arte, sendo o mais longo e lucrativo filme já produzido e o mais artisticamente avançado até então criado, sendo um balizador para os futuros filmes lançados, tornado a Guerra Civil Norte-americana e a Reconstrução um épico tão grandioso como qualquer batalha narrada por Homero em sua Ilíada, ou outro épico que se equipare, pois trouxe um aporte tecnológico e dramatúrgico inexistente nos demais filmes contemporâneos, mas, do outro lado, condenado pelo racismo empregado em seu roteiro e por valorizar positivamente a KKK. 
 
No quesito técnico, Griffith praticamente revolucionou a jovem arte cinematográfica com um inédito orçamento de US$ 110.000 e uma recriação muito realista das batalhas da Guerra Civil, no ponto de vista artístico. A gravação do filme se iniciou, em segredo, em julho de 1914, sem seguir um roteiro como se faz atualmente, algo louvável, considerando-se que o filme completo continha 1.544 tomadas separadas, comparado com filmes contemporâneos de destaque, como o épico italiano Cabiria (1914), contava com menos de 100. Com quase três horas de duração, O Nascimento de uma Nação foi o filme mais longo já lançado, e suas épicas recriações de batalhas e em grande escala a ação foram motivos de emoção ao público, o filme trouxe inúmeras inovações na técnica com o uso de efeitos especiais, fotografias com foco profundo, cortes de salto e close-ups faciais.

 
As consequências causadas pelo filme

Vamos falar das sombras deste filme. Griffith trouxe à grande tela um tema muito polêmico que acabou causando revolta e indignação nos afro-americanos e os defensores dos direitos civis. Os negros, especialmente na segunda parte do filme, durante o período da Reconstrução, são retratados como a raiz de todos os males e como marginais sem direito a nada. Além disso, os homens africanos são retratados como meros cobiçadores de mulheres brancas e pra fechar com chave de ouro, a KKK é retratada como heroína, como uma solução que restaura lei e a ordem, como um remédio social e moral.

Ocorreram vários protestos contra o filme desde sua estreia em Los Angeles, em fevereiro de 1915, continuando na estréia em Nova York no mês seguinte, porém Boston, em abril deste ano, foi a cidade que Griffith mais sofreu com os mais intensos e prolongados protestos. William Monroe Trotter – um líder dos direitos civis e editor de um jornal radical de Boston jornal semanal, The Guardian - uniu-se à filial local do National Associação para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) em uma tentativa de proibir o filme. Durante a primavera de 1915, Trotter, formado em Harvard em 1895 e o primeiro membro negro da Phi Beta Kappa, esteve na vanguarda dos protestos, protestos em massa, comícios onde milhares de manifestantes foram combatidos por um pequeno exército da polícia de Boston. Antecipando matérias de direitos civis da década de 1960, as manifestações, muitas vezes violentas, aconteciam em locais imagináveis como a prefeitura, as ruas, os tribunais e a Assembléia Legislativa do Estado de Massachusetts. Apesar dos esforços dos bravos manifestantes, não conseguiram parar o filme de Griffith, mas conseguiram consolidar o movimento pelos direitos civis em Boston e em todo o país, e expôs inexoravelmente o tratamento preconceituoso do filme em relação à sua visão sobre os acontecimentos históricos.

 

A nova ascensão da KKK

O filme de Griffith foi um bálsamo à KKK que praticamente desapareceu na década de 1870, com o fim da Reconstrução, contudo, em dezembro de 1915 foi ressuscitada no Estado da Georgia com a estreia do filme em Atlanta. Inspirado em O Nascimento de uma Nação, O coronel William J. Simmons, pregador e promotor de ordens fraternas, liderou uma queima de cruzes em Stone Mountain que marcou o início de uma nova era de atividade da KKK. As manifestações, organizadas principalmente pela NAACP, continuaram em outras cidades onde o filme O Nascimento de uma Nação foi mostrado. As reivindicações dos cineastas em matéria de liberdades civis prevaleceram contra as reivindicações dos manifestantes na tentativa de suprimir o filme que teve suas exibições vetadas em alguns estados e municípios, no entanto, não impediu que se tornasse um dos filmes mais populares da era do cinema mudo e obteve distribuição nacional no ano de sua lançamento sendo visto por quase três milhões de pessoas.

Apesar dos pesares, de seu legado controverso e do desafio que o filme representa para a modernidade
espectadores com seu conteúdo racista e condenável, indo na contramão dos direitos humanos e de igualdade racial em sociedades ocidentais, O Nascimento de uma Nação continua sendo uma obra marcante na história do cinema mundial e deve ser assistido por todas as gerações vindouras, sendo condenável ou não, é uma obra pra acompanhar a evolução da sétima arte.

 

Notas de produção e créditos:
Estúdio: D.W. Griffith Produções
Diretor e produtor: D.W. Griffith
Escritores: D.W. Griffith e Frank E. Woods
Música: Joseph Carl Breil
Tempo de execução: 190 minutos
 

Elenco:
• Lillian Gish (Elsie Stoneman)
• Mae Marsh (Flora Cameron)
• Henry B. Walthall (Colonel Ben Cameron)
• Miriam Cooper (Margaret Cameron)
• Ralph Lewis (Austin Stoneman)
• George Siegmann (Silas Lynch)
Lee Pfeiffer Dick Lehr

 

Fontes de pesquisa:

  • O Nascimento de uma Nação - Enciclopédia Online da Britannica - https://www.britannica.com/print/article/6750081 de 4 01/12/2024, 01:07
  • Literary Antecedents and Contemporary Reflections of Thomas Dixon’s “The Clansman” on https://sacredmattersmagazine.com/dixon-the-clansman/
  • Mémoire des chevaliers. Édition, diffusion et réception des romans de chevalerie du XVIIe au XXe siècle.  Isabelle Diu, Élisabeth Parinet and Françoise Vielliard (ed.) (https://books.openedition.org/enc/793?lang=en).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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