Filme nº 9 - ENSAYO DE UN CRÍMEN - de Luís Buñuel (1955).


Cartaz do filme
 
ENSAYO DE UN CRIMEN (Ensaio de um crime), filme dirigido por Luis Buñuel em 1955, com um soberbo trabalho fotográfico a cargo de Agustín Jiménez, é uma versão cinematográfica para a obra do mexicano Rodolfo Usigli - dramaturgo, narrador e escritor de teatro correspondente ao romance da década de 1940. Esta obra abriu caminho ao romance policial no México, cujo objetivo é a crítica à sociedade burguesa e à política do momento, mas protestou sobre a versão final deste filme.

A trama tanto do filme do filme quanto do livro, diferem entre si em alguns detalhes, sendo uma delas o nome do protagonista: Roberto de la Cruz, no romance, e Archibaldo de la Cruz, no filme. A história do filme começa com o pequeno garoto burguês, Archibaldo, e sua preceptora em um dos quartos da mansão da família antes dos pais saírem. Ele pede a ela que conte uma história, então a preceptora começa a narrar a história da caixinha de música que ele ganhara de sua mãe e ao final da história, disse ao garoto que ele poderia pedir desejos à caixa que ela realizaria. A preceptora, assustada com o tiroteio e perseguições do exército aos revolucionários mexicanos na rua em frente à mansão, vai até a janela e em instantes, leva um tiro no pescoço. O garoto Archibaldo olha para o corpo inerte de sua preceptora, com o sangue escorrendo do pescoço onde o tiro a acertou, suas pernas à mostra com as meias 7/8, fica assustado e surpreso, vendo que o que ela lhe dissera, aconteceu, ele desejou a morte dela e a bala a acertou. Este foi o primeiro crime de Archibaldo de la Cruz. O filme é retomado após o fim da Revolução, com Archibaldo já adulto e na cama de um hospital, onde ele tenta matar uma freira sacando uma navalha e ao fugir, ela cai no fosso do elevador que não estava no andar. Ele já vinha cometendo muitos crimes, desde então. Esta é uma obra cosmopolita, urbanista e de costumes que trata de temas não somente mexicanos e da Cidade do México, mas de cunho mundial, como a alta burguesia e suas relações internacionais com a realeza, com turistas estrangeiros, além de criticar os maus hábitos desta classe, critica a corrupção e fala do processo de modernização e da liberdade sexual que está sendo mostrada na sociedade cosmopolita moderna com a presença do homo e do bissexualismo.
 
O assassinato havia se tornado um fetiche a ele, cada ato era um fetiche criminoso, um ato quase sexual, fruto de um desejo súbito, o que fica claro na imagem dele quando garoto ao ver o sangue fluir do pescoço de sua preceptora junto a maneira que suas pernas ficaram à mostra com as meias 7/8. O filme ainda mostra o comportamento da sociedade mexicana pós-revolucionária "oportunista, corrupta, pretensiosa,   dependente e malinchista (com apego a valores estrangeiros, não nacionais) e o protagonista (Archibaldo/Roberto de la Cruz), fruto desta sociedade", nas palavras de Eugenia Revueltas, investigadora e docente mexicana da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) em seu ensaio "La novela policíaca en México y en Cuba".  Este romance não se trata de uma obra destinada a leitores usuais de romances policiais, não possui um andamento e uma leitura fáceis, não é simplesmente uma leitura recreativa. No ensaio produzido por Laura Navarrete Maya a um congresso do Centro Cultural Cervantes, ela diz que Usigli "quer jogar o leitor à uma armadilha do início ao fim" e completa dizendo a respeito da função lúdica (uma das 5 funções da literatura, aquela que provoca prazer;  a conexão entre escritor e leitor, mutuamente encontrando deleite na fruição do da leitura) da trama que os jogos de azar é uma das linhas condutoras da história (o pôquer e o bridge), onde o azar (do francês hazard, siginificando "acaso") ou o acaso é determinante na obra, no entanto, o protagonista nada entregue a ele, tudo é perfeitamente planejado. O filme ainda abarca questões sociais como as crises de caráter de cada personagem relacionando a alta burguesia e sua reputação, a infidelidade das personagens, a questão do casamento arranjado por questões econômicas, como Patricia Terrazas e Willy, pessoas avarentas, invejosas, vaidosas, egocêntricas e de atitudes insuportáveis em relação a outras, apesar de suas vidas luxuosas, faustosas, de cultura internacional e economicamente seguras, mas que, no entanto, almejam mais dinheiro à qualquer custo.

A trama é retomada com a ida de Archibaldo a um antiquário onde ele reencontra a caixinha dos desejos, a origem de sua maldade (niilisticamente falando) e convence o dono a vendê-la utilizando como expediente o seu status social. Neste mesmo antiquário ele conhece a femme fatale chamada Lavínia que a reencontra mais tarde em uma taverna, ciceroneando turistas norte-americanos, mas passa seu telefone a Archibaldo, no entanto, era falso e na loja onde ela disse que trabalhava, ele encontra um manequim praticamente idêntico a ela e descobre um meio de encontrá-la, por meio do fabricante do manequim, acertando em cheio, pois era ela a modelo e assim consegue seu contato verdadeiro, mas ela demonstra uma sagacidade feroz ao ceder e ir a convite dele, à sua mansão, e ao se preparar para matá-la, Archibaldo encontra o manequim e ela foge com o grupo de turistas que, por surpresa e subitamente,  vão à casa de Archibaldo à convite de Lavínia, logo após partindo com eles e em um ato de fúria por não concretizar o fetiche de matá-la, incinera seu manequim. 
 
Lavínia, seu manequim e o artista que o cria 

Em paralelo a Lavínia, Archibaldo corteja a fidalga Carlota Cervantes (chamada Nena, no romance) para casa-se com ela com o apoio de sua mãe e ao deixar sua casa, conhece no pôquer uma curiosa figura, a sensual e vulgar Patrícia Terrazas, amante de um homem chamado Willy que lhe banca financeiramente e no segundo encontro, após uma discussão com Willy, ela o convida a ir em sua casa, descobrindo que são casados, mas após Archibaldo partir com a chegada de Willy, Patrícia misteriosamente morre e chega a Willy uma suposta carta de suicídio dela. 
 
 
Patrícia Terrazas, Willy e Archibaldo na casa de Patrícia, no dia de sua morte
 
Agora, para o gran finale, Archibaldo resolve pedir a mão de Carlota com a ajuda da mãe, mas a pretendida titubeia, pois ela é amante do arquiteto Rivas, então durante este tempo para pensar e responder Archibaldo, ela conversa com o arquiteto e diz que vai aceitar a proposta de enlace mesmo sob protestos do amante, toda essa conversa é acompanhada pelo pretendente que trama uma vingança. O casamento é marcado, anunciado e os convites, enviados, inclusive ao arquiteto. O noivo pensa em várias maneiras de matar a noiva e assim consumar um de seus grandes fetiches: o de ser viúvo e causado de sua viuvez, mas tem seu fetiche frustrado por Rivas que mata sua ex-amante com um tiro no coração logo após o padre declará-la esposa de Archibaldo que assiste a cena atônito. Ele que já havia tentado se entregar à polícia, mas não havia provas de seu crime, foi descartado como piada pelo comissário de polícia, contudo, torna-se sua própria vítima com a morte de Carlota, vira alvo da comiseração coletiva após tornar-se viúvo no dia de seu casamento. No final do filme, Archibaldo conversa com um juiz e diz que matou todas aquelas mulheres apenas desejando a morte delas, mas na verdade, não há indícios nem evidências de tais crimes, termina liberando-o e diz que não pode prendê-lo por desejar a morte de alguém. Caminhando num parque, Archibaldo se livra da caixinha atirando-a misteriosamente reencontra a tentadora Lavínia que apenas estava por lá, ele a convida para uma caminhada e ambos seguem de forma descontraída.

Entre as diferenças do romance ao filme, pode-se listar as mortes, que, no filme, não ocorre a morte do Conde Schwartzemberg, nem a entrega do assassino Luisito, como ocorre no romance, nem aparece um falso criminoso. Buñuel deu outros enfoques, como a maneira sedutora e fetichista do serial killer, deixando os crimes sem solução, ou melhor, fica a explicação no fantástico, como se a caixinha d música fosse a má influência e deveria ser destruída, fazendo com que Archibaldo rapidamente desistisse de seus atos assim que o objeto sumiu nas águas do lago. Podemos ter o livro como moralizante e carregado de ideologia, jogando com a destruição da ordem e seu restabelecimento, enquanto que o filme não há moralização, mas sim impunidade de ordem fantástica, de ordem sobrenatural, como seu mau espírito que habitava na caixa, possuísse o corpo de Archibaldo e o fizesse cometer os crimes desde sua infância.
 
 
Sobre o cineasta Luís Buñuel

Natural de Calanda, Espanha, nascido lá em 22/2/1900 e falecido em 29/7/1983, Cidade do México. Em 1917, mudou-se para Madri para estudar na faculdade de agronomia, morando na residência estudantil, onde conheceu Federico García Lorca e Salvador Dalí. Deixou aquela faculdade para estudar filosofia e letras e graduou-se em 1924. No ano seguinte, mudou-se para trabalhar na França com o cineasta Jean Epstein no cargo de assistente de direção e roteirista, depois ingressou na Academie du Cinéma (Paris). 
 
Em 1928, lançou seu primeiro filme, "Um Cão Andaluz" ("Un Chien Andalou"), que se tornaria um marco do cinema surrealista, rompendo com a narrativa cinematográfica tradicional e criando imagens de grande impacto e beleza. O segundo, "A Idade de Ouro" ("La Age d'Or"), estreou com grande polêmica em 1930. Em 1936, mudou-se para os EUA com o início da Guerra Civil Espanhola e trabalhou durante um período no Museum of Modern Art (MOMA - Nova York) e em Hollywood, sendo então contratado pela Metro Goldwyn Meyer (MGM) como "observador". 

Após um longo hiato sem dirigir, Buñuel mudou-se para o México, dirigindo "Gran Cassino" em 1947 e naturalizou-se em 1949. Na década de 1950, nesta nova fase mexicana, dirigiu filmes de sucesso, como "Os Esquecidos" ("Los Olvidados"), "O Alucinado" ("El") e "A Ilusão Viaja de Bonde" ("La Ilusión Viaja em Tranvía"). 
 
Em 1961, após um convite do governo espanhol, Buñuel filmou "Viridiana". O filme, que trata de uma sátira religiosa, virou escândalo e chegou a ser censurado na Espanha, no entanto, acabou recebendo a Palma de Ouro no Festival de Cannes. No ano seguinte, estreou "O Anjo Exterminador" ("El Ángel Exterminador") e, em 1966, "A Bela da Tarde" ("Belle de Jour"), rodado na França e estrelado por Catherine Deneuve que lhe valeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza. 
 
Em 1970, Buñuel retorna as filmagens na Espanha com o lançamento de "Tristana". Em 1972, com "O Discreto Charme da Burguesia" ("Le Charme Discret de la Bourgeoisie"), ele ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Cinco anos depois, dirigiu seu último filme: "Esse Obscuro Objeto do Desejo" ("Cet Obscur Objet du Désir") e suas memórias em "Meu Último Suspiro" (1982), um livro explicativo e garboso. Vítima do câncer, morreu aos 83 anos na Cidade do México
 
 
Fontes de pesquisa:

  • Aviña, Rafael. Buñuel noir: Ensayo de un Crimen. Disponível em: https://moreliafilmfest.com/bunuel-noir-ensayo-de-un-crimen
  • Maya, Laura Navarrete. Ensayo de un crimen parte fundamental de la novela policíaca mexicana. Actas XIV Congreso AIH (Vol. IV). Disponível em: https://cvc.cervantes.es/literatura/aih/pdf/14/aih_14_4_059.pdf
  • Wigley, Sam. Where to begin with Luis Buñuel. Disponível em: https://www.bfi.org.uk/features/where-begin-with-luis-bunuel
  • UOL Biografias - Luís Buñuel. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/luis-bunuel.htm











 

 


 

 

 

 

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