Teoria nº 2: O que é um NARRADOR NÃO CONFIÁVEL?

Leitores, vocês conhecem o NARRADOR NÃO CONFIÁVEL?

Termo criado por Wayne C. Booth em seu tratado "The Rhetoric of Fiction", de 1961, caracteriza tanto na literatura, no teatro e no cinema, o tipo de narrador tem sua credibilidade seriamente comprometida e geralmente são narradores em primeira pessoa, embora existam também, em menor número, em segunda e terceira pessoa, com maior incidência nas séries de TV e no cinema.

O narrador não confiável se denota por ter sua credibilidade altamente afetada, por possuir um discurso que viola ou não está em conformidade com as normas e valores gerais. Vejamos aqui o exemplo de um narrador que faz uma reivindicação obviamente falsas, absurdas ou delirantes, ou admitindo sofrer de uma séria doença mental ou ao narrar um trecho em que ele aparece como personagem e deixa várias lacunas que deixam muitos motivos de desconfiança que vão gradativamente minando a sua credibilidade.

À dramaturgia, ele é um elemento de grande utilidade para causar um desfecho inesperado, ou para atrasar alguma revelação ansiosamente esperada, gerando aqui um "twist ending" ou "reviravolta no enredo". Este tipo de narrador pode aparecer de forma explícita no enredo, ou ficar implícito, deixando a cargo do leitor chegar à conclusão se a narração é crível ou não e como ela deveria ser interpretada. Um recurso coringa para a narração não cair no óbvio, muito empregada por Franz Kafka, vide Gregor Samsa em "A Metamorfose", por Albert Camus; em "O Estrangeiro", com a frieza absurda de Mersault diante da morte da mãe e do assassinato do árabe; exemplos citados apenas para uma leve ilustação. Wayne C. Booth o caracteriza em sua obra dessa maneira: "Eu chamei de um narrador confiável quando ele fala a favor ou age em conformidade com as normas da obra(que é dizer que está implicado nas normas do autor), não confiável quando ele não as segue".

O professor de literatura na Universidade de Oklahoma e também escritor, William Riggan, aborda em sua obra "Pícaros, Madmen, Naïfs, and Clowns: The Unreliable First-person Narrator", de 1981, alguns dos tipos de narradores não confiáveis em primeira pessoa mais comuns, na forma de arquétipos. Vejamos:

1. O PÍCARO - Um narrador caracterizado por exageros e vanglória. Ex: Moll Flanders;

2. O LOUCO - Um narrador que está apenas experimentando mecanismos de defesa mentais, tais como a dissociação (pós-traumática) e auto alienação, ou uma severa psicopatologia, como esquizofrenia ou paranoia. Ex: os narradores auto alienantes de Franz Kafka;

3. O BOBO ou PALHAÇO - É um narrador que não leva a sério o que fala e conscientemente brinca com as convenções, verdades e expectativas do leitor. Ex: Brás Cubas;

4. O INOCENTE - Um narrador cujo juízo é ingênuo ou limitado daquilo que é testemunha. Inocentes notórios: Huckleberry Finn, Holden Caulfield e Forrest Gump;

5. O MENTIROSO - Um narrador em pleno uso das faculdades racionais que, com dolo, deturpa a si mesmo e às próprias narrativas, quase sempre para ocultar, omitir ou confundir algum passado sinistro ou conduta reprovável. Ex: Penélope, esposa de Ulisses, na Odisseia de Homero e claro, Pinóquio.

Peter J. Rabinowitz, professor Emérito de Literatura Comparada (aposentado) e também coeditor da série de imprensa da Ohio State University sobre teoria e interpretação da narrativa, cujo foco principal é a condição do discurso ficcional, criticou a definição de Booth, defendendo que a narração não confiável nada mais é que uma estratégia do leitor para fazer sentido de um texto, ou seja, de reconciliar discrepâncias na conta do narrador, e modificou a abordagem a narração não confiável para:

"Há narradores não confiáveis (c.f. Booth). Um narrador não confiável entretanto, não é simplesmente um narrador que 'não diz a verdade' – qual narrador fictício sempre conta a verdade literal? Em vez disso, Um narrador não confiável é aquele que conta mentiras, oculta informações, julga mal no que diz respeito a audiência narrativa – que é, umas cujas declarações são falsas não pelos padrões do mundo real ou da audiência autoral, mas pelos padrões de sua própria audiência narrativa.[...] Em outras palavras, todos os narradores fictícios são falsos pois são imitações. Mas alguns são imitações que dizem a verdade, algumas das pessoas que mentem."

Ansgar Nünning, professor de Literatura Inglesa e Americana e Estudos Culturais na Universidade de Giessen, Alemanha desde 1996, propõe evidências de que a narrativa não confiável pode ser reconceitualizada no contexto da teoria de quadro e de estratégias cognitivas dos leitores:

"[...] para determinar uma não confiabilidade do narrador não é preciso apenas confiar em julgamentos intuitivos. Não são nem as intuições do leitor nem as normas e valores implícitos do autor que fornecem a pista para a não confiabilidade do narrador, mas uma vasta gama de sinais definíveis. Estes incluem ambos os dados textuais e conhecimento conceitual preexistente do leitor do mundo. Em suma, se um narrador é chamado de não confiável ou não, isso não depende da distância entre as normas e valores do narrador e aquelas do autor implícito, mas entre a distância que separa a visão do mundo do narrador do mundo modelo e padrões de normalidade do leitor".

Existe um número de sinais indicando a não confiabilidade do narrador e Nünning sugeriu três categorias:

1) SINAIS INTRATEXTUAIS: o narrador se contradiz e tem lacunas na memória, ou mente para os outros personagens;

2) SINAIS EXTRATEXTUAIS: o narrador contradiz o conhecimento geral de mundo do leitor, ou impossibilidades (dentro dos parâmetros da lógica);

3) A COMPETÊNCIA LITERÁRIA DO AUTOR: Isso inclui o conhecimento do leitor sobre os tipos literários (por exemplo, personagens de estoque que reaparecem sobre séculos), conhecimento sobre gêneros literários e suas convenções ou dispositivos estilísticos.

E aí? Veio à mente algum livro que leu e foi narrado por alguém não confiável?

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