Ensaio nº 9 - A QUESTÃO COIMBRÃ E OS POSICIONAMENTOS DE ANTERO DE QUENTAL

 


 

A QUESTÃO COIMBRÃ E OS POSICIONAMENTOS DE ANTERO DE QUENTAL

 

No ano de 1865, em Portugal, se inicia a grande polêmica literária chamada de “Questão Coimbrã”, inicialmente, uma discussão de cunho estético-literário. Os principais representantes do movimento foram, de um lado, Antônio Feliciano de Castilho e escritores sob sua influência, como Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, que representariam o que seria a forma instituída e dominante de produção literária portuguesa em meados do século XIX.  Do outro, estavam Antero de Quental e Teófilo Braga, cujos escritos questionavam tal forma e apontavam para outro caminho de reflexão para a literatura portuguesa, assim se designava o grupo de jovens intelectuais portugueses chamados de “Geração de 70” ou “Geração Nova”, pertencentes a um movimento acadêmico de Coimbra do século XIX que veio revolucionar várias dimensões da cultura portuguesa, da política à literatura, cuja renovação se manifestou com a introdução do Realismo junto com uma reflexão da realidade portuguesa a partir das transformações observadas em  outros países europeus, como a França, a Inglaterra e a Alemanha, observados como modelos a serem seguidos porque é uma geração com uma profunda preocupação com a decadência em várias esferas da sociedade, desde a sua estruturação política e econômica até sua produção científica e artística. Destes países vieram as influências teóricas e modelos interpretativos que os escritores portugueses procuravam adaptar e aplicar na problematização de Portugal.

A querela se iniciou por meio de uma carta de Antônio Feliciano de Castilho endereçada a Antônio Maria Pereira, então proprietário da editora responsável pela publicação de Poema da Mocidade, de Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, nela

“Castilho realizou uma crítica literária sobre outros pontos, fazendo comentários acerca da escrita contemporânea em Portugal. Nestas reflexões, foram feitas referências indiretas a obras, mas citação direta a atitudes de alguns jovens escritores que começavam a ascender por meio de obras anteriormente publicadas.  Os intelectuais em questão são Antero de Quental e Teófilo Braga, além da menção, com menor ênfase, a José Cardoso Vieira de Castro. (...). Em resposta às opiniões de Castilho, Antero de Quental publicou em forma de carta aberta o folhetim chamado Bom senso e bom gosto em novembro de 1865.  O título deste texto, um dos mais conhecidos da “Questão Coimbrã”, também é comumente utilizado em denominação à polêmica literária. Como uma réplica direta à “carta ao editor”, este manifesto passou a mencionar diretamente Antônio Feliciano de Castilho, apontando para sua obra literária e o que este representaria para a atual situação da literatura portuguesa.” (BRITO, 2005, p.161 e 163).

 

A obra Odes Modernas, de Antero de Quental, foi especialmente visada nestas críticas, mas ele em retorno, em sua carta aberta intitulada de Bom senso e bom gosto, rebate de Castilho ao criticar a desonestidade de sua ação ao atacar a Escola de Coimbra, reforçando que

“O que se ataca na escola de Coimbra (talvez mesmo v. ex.ª o ignore, porque há malévolos inocentes e inconscientes)”, escreveu Antero, “o que se ataca não é uma opinião literária menos provada, uma concepção poética mais atrevida, um estilo ou uma ideia. Isso é o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se à independência irreverente de escritores, que entendem fazer por si o seu caminho, sem pedirem licença aos mestres, mas consultando só o seu trabalho e a sua consciência. A guerra faz-se ao escândalo inaudito duma literatura desaforada, que cuidou poder correr mundo sem o selo e o visto da chancelaria dos grão-mestres oficiais. A guerra faz-se à impiedade destes hereges das letras, que se revoltam contra a autoridade dos papas e pontífices, porque, ao que parece, ainda a luz de cima lhes não escreveu nas frontes o sinal da infalibilidade. Faz-se contra quem entende pensar por si e ser só responsável por seus atos e palavras…” (QUENTAL, 1865, p.3)

Nesta carta, Antero ataca principalmente a falta de inovação e originalidade, a repetição dos modelos clássicos na escrita apresentada nas últimas décadas, a estagnação gerada, a excessiva preocupação com a exaltação da forma, metrificações e sentimentos, critica a adoração à palavra e o desprezo à ideia e aos grandes filósofos, a vaidade e o fútil, enfim, vemos uma severa crítica a tudo que marcou a escola romântica e que esta critica no realismo da Escola de Coimbra, pois “o autor apresentava a aspiração revolucionária dos povos como a natural consequência da evolução espiritual desencadeada a partir do grande evento francês de 1789. Conferir à poesia, com esta explicitude e firmeza, uma função subversora dos valores dominantes era contrariar o intimismo subjectivo que preponderava em meios literários ultra-românticos e neo-clássicos, e dissentir, implicitamente, do pontificado de Castilho” (HOMEM, 1995, p.93), era esse seu objetivo.

Podemos ver na “Questão Coimbrã” uma clara resposta à uma sociedade retrógrada e datada, presa a tradições literárias que rechaçavam veementemente o que era novo e de inspiração estrangeira, apresentando uma xenofobia ideológica para com seus próprios patrícios. Buscava-se a construção do conhecimento atrelado aos ideais de igualdade e liberdade, livre de censura e favorecimentos, cujos créditos fossem o mérito individual e a busca pela verdade. Por estas e outras cartas trocadas posteriormente, discutiu-se não somente assuntos de cunho literários, mas também de cunho social, educacional e ideológico, enfim, uma querela que marcou a “Geração de 70” e o início das atividades da “Geração Nova” com seus novos ideais literários e políticos. 

 

 Antero de Quental


Referências Bibliográficas

BRITO, Rômulo de Jesus Farias. “Questão Coimbrã”: A Problematização Sobre Portugal Através De Uma Polêmica Literária Pela Geração De 70 (1865-1866). Oficina do Historiador, Porto Alegre, EDIPUCRS, v. 8, n. 2, jul./dez. 2015, p.154-173;

HOMEM, Amadeu Carvalho. Para uma leitura sociológica e política da "Questão coimbrã". Máthesis, Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras, n. 4, 1995 p. 89-102;

QUENTAL, Antero de. Bom senso e bom gosto: Carta ao Excelentíssimo Senhor Antônio Feliciano de Castilho por Antero de Quental. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1865. Disponível em: https://archive.org/details/bomsensoebomgos00castgoog. Acesso em 01.08.2022.

 

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