Resenha nº 5: OS SETE PILARES DA SABEDORIA, por T. E. LAWRENCE

 

                                                                 Capa da edição inglesa 

 

De todos os livros que já li, o que não são muitos, infelizmente, não sou um devorador literário nato, mas tardio, já fui muito preguiçoso, porém, felizmente, consegui mudar isso, pois, jamais leria um livro de 894 páginas nos primórdios do meus tempos de leitor (ainda não inveterado) e sem sombra de dúvidas, esse é o mais desafiador até o presente momento. Nas névoas da minha ignorância, antes de lê-lo, eu pensava que a personagem Lawrence da Arábia era apenas uma personagem ficcional criada para o cinema e felizmente estava errado, ele realmente existiu e nos brinda com esta gema de obra que poucos ousam lê-la, afinal, quem tem tempo e paciência para digerir tantas páginas se não gostar de História, nem Geopolítica, nem de histórias épicas modernas, pois, podemos comparar Lawrence a Ulisses, Aquiles, Teseu, enfim vários heróis das mitologias greco-romana, contudo, ele foi bem real e bem humano. Outro fato curioso acerca da minha leitura. Como é um livro difícil de encontrar, só havia usados em sebos, e tive uma grande sorte de encontrá-lo em bom estado. Ao ler, geralmente sinto sono, dependendo do horário, e como li no ano de 2015, trabalhava na área de Comércio Exterior e estava extremamente cansado, só que eu queria ler a qualquer custo e em uma destas cochiladas, o livro (pesado) caiu das minhas mãos e estatelou-se no chão, desfolhando-se em grande parte e rachando a lombada, uma senhora fratura, tentei colá-lo, mas não funcionou, ficou tosco, então, voilà... literalmente destruí um clássico, um livro raro... sem comentários, mas lição aprendida e tive mais sorte ainda por encontrar duas edições da mesma editora e em boa qualidade. Aprendi a ler livros grandes (e grandes livros) não em cadeiras, mas em mesas, assim não os destruo em caso de cochilar.

                                            Capa da edição brasileira da Ed. Record, de 2015

Sigamos com características dessa grande obra. Adquiri esta edição da Editora Record, publicado em 2015, sendo a sua sétima edição, então consegui umas das últimas, pois ele se encontra hoje fora de catálogo e não entendo o porquê. Ela é uma versão anterior à publicada pela Ed. Record, foi publicada pela Cia. Brasil Editora em 1938, quase um século atrás, por Carlos Machado. Fernando Monteiro, em seu prefácio nesta edição, reproduz o anúncio da obra original que pronta a sua tradução brasileira, a obra integral contém 280.000 palavras e era apresentada pela Cia. Brasil Editora, nas páginas dos anúncio dos seus lançamentos:
 

Esta é a memória de um gênio, recordando aquillo que acreditava ser seu
insuccesso como também aquilo que sabia ser seu triumpho. É uma mistura
inextrincável de documentação humana, literatura pura, philosophia, aventura, e
também uma confissão. Preço: 25$000. CIA. BRASIL EDITORA, Caixa Postal
3066 — Rio de Janeiro.

Certamente uma obra dificílima de traduzir devido aos termos e nomes de locais em árabe inseridos pelo autor, e ainda nas palavras de Fernando Monteiro em seu esclarecedor prefácio: Nela não foram feitos, agora, mais do que pequenos 'ajustes' (de certos anacronismos evitáveis), para reapresentar o leitor, pelo vidro cristalino do trabalho de C. Machado, a um livro de nuances suntuosas nas páginas em que ressoam os ritmos do chamado “estilo de ouro” (da bíblia do rei James) e demais ecos, de dourados elizabetanos, do Livro de versos de Oxford, da Morte d’Arthur e de alguns relatos modernos, de orientalistas e viajantes (como Arábia deserta, de Dougthy), que impressionaram a juventude de Thomas Edward. Continuando, A tarefa de traduzir a obra que T. E. reescreveu várias vezes — e na qual é ele o assunto (e a 'Revolta' um pano de fundo colorido, drapejando como bandeira carmesim na tarde) — obriga a 'acertar', desde logo, o tom lawrenciano típico, numa gestal medieval que mistura o acento épico com dinamite e vôos rasantes de aviões sobre dunas e oásis. C. Machado foi fiel e feliz, literariamente, ao transpor a atmosfera natural, de subjetividade peculiar, entre cargas de camelo e incursões guerrilheiras, não sofrendo o texto qualquer solução de continuidade entre o aventuresco e o meditativo, as influências clássicas e uma certa “esportividade” que livra a epopéia de parecer pesada. Quando se trata de introduzir o leitor à ação e aos bastidores da ação, ao cenário “vivo” e ao passado remoto daquelas paragens, Lawrence é direto, humorado e erudito — e se descarta da bagagem 'oxfordiana' sempre que é preciso privilegiar o movimento, a fluência solene (mas nunca pedante) da narrativa. Melhor descrição, não há. O prefácio é um ensaio muito esclarecedor e de grande reflexão.

O título, Os Sete Pilares da Sabedoria, vem do Livro de Provérbios, que diz: "A Sabedoria edificou a sua casa, ela cortou as suas sete colunas" (Provérbios 9:1) (Versão King James), no entanto, não se trata de uma homenagem ou menção religiosa que levou o autor a nomear sua obra com este título, mas sim que antes da Primeira Guerra Mundial, Lawrence começou a trabalhar em um livro acadêmico sobre sete grandes cidades do Oriente Médio que seria chamado de Sete Pilares da Sabedoria e estava incompleto quando a guerra estourou, dessa maneira, Lawrence afirmou que havia destruído o manuscrito, usando seu título original para o trabalho posterior.

Outro fato interessante: o livro teve que ser reescrito três vezes! Sim, essa pequena Em uma delas, após a perda do manuscrito em um trem na estação ferroviária de Reading, perdeu tudo, exceto a introdução e os rascunhos dos Livros 9 e 10 nesta estação durante a troca de trem, póximo ao Natal de 1919, como se lê na página 21.

Sete Pilares da Sabedoria trata de um relato autobiográfico de suas experiências durante a Revolta Árabe de 1916-1918, no período o qual Lawrence estava baseado em Wadi Rum, na Jordânia, como membro das Forças Britânicas. Com o apoio do Emir Faisal e dos seus membros da tribo, ele ajudou a organizar e realizar ataques às forças otomanas, desde Aqaba, no sul, até Damasco, no norte. Muitos locais dentro da área de Wadi Rum foram nomeados em homenagem a Lawrence para atrair turistas, embora haja pouca ou nenhuma evidência que o ligue a qualquer um desses lugares, incluindo as formações rochosas perto da entrada agora conhecidas como "Os Sete Pilares".

O estilo narrativo é próprio de uma ficção, usando uma linguagem literária erudita, digna da instituição a qual se graduou, não deixa o leitor ter a plena certeza que se trata de uma obra real ou parte ficcional, pois há verossimilhança, no entanto, alguns dos fatos narrados adquirem ares quase fantásticos e certas vezes, surreais. Aqui o autor narra desde seus primeiros contatos com o povo árabe, as adaptações linguísticas e aprendizado dos dialetos, gestos e expressões, adaptação ao calor reinante, tendo diarreias em determinados trechos, fazendo política com os franceses, que queriam trapacear a todo o momento, suas brigas com o guerreiro argelino Abd el Kader, o aporte das tropas africanas das colônias francesas e inglesas, além dos indianos, todos envolvidos para derrotarem as tropas alemãs e otomanas, uma aliança inédita que se repetiu parcialmente na Segunda Guerra Mundial. É um livro muito denso, com longas passagens descritivas dos cenários desérticos, sua geografia, seus povos, características culturais, o direito tribal para se resolver conflitos e assuntos pessoais, alguns tristes, como a morte de companheiros, quando ele é preso e abusado pelo oficial otomano, mas que é amenizado por seu estilo narrativo que ameniza estas passagens.

Para quem busca histórias de grandes crescimentos pessoais, seguidos de grandes decepções e aprendizados, eis uma grande obra que foi usada por muitos líderes mundiais, principalmente em tempos de guerra e conflitos, mas serve para uma vida de batalhas pessoais também, pois aqui se trata principalmente da transformação do tímido arqueólogo no guerreiro implacável, uma verdadeira transmutação pessoal e que na falta de palavras para encerrar este breve artigo informal de uma de minhas preferidas obras, empresto as de Fernando Monteiro, uma vez mais, e de outro estrategista político, talvez o maior do Breve Século XX (como diz o historiador inglês Eric Hobsbawn):

O elogio — arrancado não ao político mas ao homem muito exigente nas suas admirações — é perfeitamente justo com relação a Sete pilares da sabedoria, sem dúvida um dos maiores livros do século que estamos vendo terminar em tom baixo, com o gemido literário de obras saídas de uma espécie de vazio que nada tem a ver com a altissonante grandeza da experiência narrada por um homem inteiro nesta obra que se coloca de novo ao alcance do leitor brasileiro, em boa hora: o Oriente Médio permanece um estopim aceso, os heróis (com e sem aspas) estão cansados e a literatura não sabe enxergar além do próprio umbigo... no momento em que reaparece, aqui, uma autêntica obra-prima, na tradução de C. Machado — primeira e única à sua altura.

Nas palavras de Winston Churchill: figura entre os maiores livros escritos em inglês. Se Lawrence nada mais houvesse feito do que escrever essa obra, como simples trabalho de imaginação, o seu nome, para usar a frase tantas vezes repetida de Macaulay, haveria de viver enquanto o inglês fosse falado num recanto do globo.

Caio A. Zini

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