Biografia do autor nº 3: KAMEL DAOUD


KAMEL DAOUD, escritor e jornalista argelino de língua francesa, nascido em 17 de junho de 1970 em Mesra (wilaya de Mostaganem), Argélia, naturalizado cidadão francês em 2020, é vencedor do prêmio Goncourt pelo primeiro romance em 2015. 

Nascido na Argélia - país pertencente à região do Magreb, uma área da África Setentrional (conhecida como África Branca), que corresponde à região ocidental do norte do continente africano e compreende os seguintes países: Marrocos, Saara Ocidental (território controlado pelo Marrocos), Argélia, Tunísia e Mauritânia - na década de 1970, uma Argélia tradicional que ainda despontava como potência regional. A “Década Negra”, de 1990, irrompeu uma guerra civil opondo radicais islâmicos ao governo nacionalista liderado pela geração que lutou pela independência, vencendo o lado nacionalista, porém a religião islâmica avançou sobre o espaço público. Islâmico ortodoxo durante sua adolescência, Daoud abandonou a religião aos 18 anos de idade e começou a trabalhar no jornal LE QUOTIDIEN d’ORAN e publicar artigos contrários ao nacionalismo e o fundamentalismo islâmico. 

Os comentários de Daoud sobre a dura realidade na Argélia lhe renderam fama e reconhecimento entre os franceses e entre a intelligentsia europeia, embora não tenha sido acolhido entre eles, ao mesmo tempo que causava ódio naqueles que figuravam nos cenários político e religioso argelino, sendo inclusive rejeitado por parte da intelligentsia (a intelectualidade) patrícia que dizia que sua escrita era para agradar os franceses, chegando ao ponto de um clérigo muçulmano, um imã ativista chamado Abdelfatah Hamadache, um líder de um partido salafista sem licença, a decretar uma fatwa (ou fátua, em português, que é um pronunciamento legal no Islã, uma decisão ou decreto emitido por um especialista em lei religiosa sobre um assunto específico) acusando-o de insultar o Islã, de ser um "apóstata sionizado" que estava liderando uma guerra contra Alá, seu profeta, e contrra o Alcorão, clamando por sua morte. Qualquer semelhança com o escritor indiano Salman Rushdie? É o preço que os grandes e ousados escritores pagam por sua ousadia e destemor. Daoud tem por crença que o fato de ser um muçulmano não torna alguém um árabe e que os islâmicos necessitam aprender a separar a linguagem da religião. Daoud frequentemente usa o termo "árabe" de maneira conservadora e se recusa a escrever em língua árabe, mesmo que conceda entrevistas à mídia em árabe argelino. Segundo ele, "o árabe está preso ao sagrado e às ideologias dominantes. Foi fetichizado, politizado e ideologizado."

Dono de uma escrita pungente e direta, Daoud escreve para jornais europeus, sendo editorialista do jornal electrónico ALGÉRIE-FOCUS, além de publicar no SLATE AFRIQUE antes de publicar uma coluna no LIBERTÉ, sob o título de “L'Autre Algérie”, até o jornal deixar de ser publicado em. 2022. No jornal francês LE MONDE, em 2016, criticou em um artigo os ataques sexuais realizados por árabes na cidade alemã de Colônia durante a noite de Ano-Novo, acusando a esquerda alemã de ingenuidade por ignorar o abismo cultural entre os refugiados árabes e os valores europeus, principalmente em relação ao tratamento deferido às mulheres, dizendo: “O Outro (o imigrante) vem deste universo vasto, doloroso e terrível – um mundo árabe-muçulmano cheio de miséria sexual, com uma relação doentia com as mulheres, o corpo e o desejo”, escreveu. “Recebê-los não é curá-los.”. No mesmo jornal, ele foi criticado por um coletivo de intelectuais europeus que publicou um manifesto repreendendo-o “paternalismo colonial”, além de acusá-lo de “alimentar as fantasias islamofóbicas” da direita do continente. Em suas palavras: “Considero ilegítimo – para não dizer escandaloso – que certas pessoas me acusem de islamofobia do conforto de seus cafés ocidentais”.

Suas colunas são publicadas no THE NEW YORK TIMES, no THE OBSERVER e no EL PAÍS, colunas as quais ele abala as estruturas da influência da classe dominante e dos partidos islâmicos sobre a sociedade, e segundo Roula Khalaf, editor do FINANCIAL TIMES, "A escrita de Daoud é infundida com uma revolta latente contra o islamismo, uma forma de “suicídio”, e a ditadura, uma forma de “assassinato” — as forças obscuras que ele diz terem atormentado seu país". O editor também complementa sobre o estilo de escrita de Daoud dizendo: "Daoud fala francês enquanto escreve. Sua prosa é concisa, elegante, sensual. (...). É uma linguagem intimamente associada ao erotismo. (...). Observo que ele frequentemente usa metáforas relacionadas ao amor. Esta também é uma característica de seus livros, incluindo seu último ensaio sobre os retratos voluptuosos de Picasso de sua amante Marie-Thérèse Walter, apresentados em uma exposição em Paris e Londres no ano passado. Ele escreve sobre sexo e amor como se fossem parte de uma busca espiritual".

Além de O CASO MEURSAULT, que reconta o romance O ESTRANGEIRO, de Albert Camus, pela perspectiva argelina, sua bombástica obra de estreia no mundo literário, publicou outro romance, ZABOR ou LES PSALMES, uma compilação de suas mais amargas colunas editoriais e um ensaio sobre Picasso, lançado no outono passado, chamado O PINTOR QUE DEVOROU A MULHER (Le Peintre dévorant la femme), entre outros romances, novelas, artigos, ensaios, crônicas e livros de arte, o escritor possui conhecimentos e competências em várias vertentes literárias.

Preços e reconhecimentos:
2016 : prix Jean-Luc Lagardère du journaliste de l'année
2019 : prix mondial Simone et Cino-Del-Duca
2021 : prix de la laïcité 2020 du comité Laïcité République

Caio A. Zini

Fontes: 

https://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/08/argelino-reescreve-o-estrangeiro-de-albert-camus-do-ponto-de-vista-de-um-arabe.html

https://www.ft.com/content/a2f6393a-56f7-11e9-a3db-1fe89bedc16e

https://fanack.com/politics/features-insights/kamel-daoud-chronicle-controversy

 

 

 

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