Biografia do autor nº 4: NEEL DOFF e a LITERATURA PROLETÁRIA

 


NEEL DOFF (Buggenum, Holanda, 27 de Janeiro de 1858 –  Ixelles, Bélgica, 14 de Julho de 1942), nascida Cornelia-Hubertina Doff, cresceu no seio de uma família de oito irmãos e dois pais que mais atrapalham suas vidas que lhes ajudam a construí-las, experimenta desde os primeiros anos as dificuldades impostas pelas sociedades europeias sob aqueles que vivem na miséria, sem que lhes sejam concedidas oportunidades de melhoria de vida. Sofrendo humilhações das mais diversas naturezas, vendo seus pais envelhecem aceleradamente e seus irmãos crescerem sem o mínimo de estrutura familiar e educação, viveu ao sabor das ondas, pode-se assim dizer, por falta de opção e necessidade, permitiu-se ser explorada por empregadores abusivos e chegou a se prostituir para alimentar a família com fome. Seu pai, um alcoólatra e constantemente desempregado, chegou a se ausentar por meses da familia deixando-os no mais completo abandono, foram despejados em pleno inverno europeu, perdendo móveis e roupas nestes processos, sendo explorada pela própria mãe que lhe enviava às casas de ex-vizinhos e conhecidos para conseguir dinheiro e comida, prostituía a filha mais velha e quando esta se foi, passou a prostituir Neel que se tornou o pilar familiar, mas ela se cansaria dessa exploração e ao conhecer o amor de sua vida, deixa-os.

Das profissões que realizou, Doff e garotas como ela trabalham desde muito jovens. Elas primeiro levam e trazem recados, trazem lancheiras para os trabalhadores (geralmente os pais) ou vendem brols em leilões. Elas se divertem entre esses trabalhos ingratos, contudo, a felicidade contida possui algo de suspeito neste mundo de extremas necessidades. Ao crescer, Doff torna-se uma “trottin” (ou seja, vai às compras, entrega encomendas, etc.), tema do último livro da trilogia da fome, KEETJE TROTTIN, que ela descreve sua vida sob o nome ficcional de Keetje Oldema, seu alter ego, e é composto de dois volumes precedentes: DIAS DE FOME E DESAMPARO e KEETJE.

Já na primeira obra da trilogia, pela premente e constante necessidade de mais dinheiro para cobrir as despesas familiares, sua mãe empurra-a para a prostituição assim como já tinha feito com sua irmã mais velha. Buscando fugir deste meio, ao chegar a Bruxelas depois de muitos desvios, aproxima-se do meio artístico, torna-se modelo de pintores, sai com estudantes e desta maneira conhece seu primeiro marido. Ela entrou na burguesia pelo casamento e só começou a escrever muitos anos depois, na casa dos cinquenta. Além das obras literárias, cujo maior sucesso foi a sua trilogia, sua vida vai para as telas de cinema em uma adaptação das obras que foi dirigida por Paul Verhoeven, um filme muito competente e que tratarei em outra postagem.

Doff conhece e leu os naturalistas, e os critica abertamente em Keetje, veja, sobre Zola ela escreve: “Tive a sensação de uma pintura superficial, de uma realidade inventada ou observada na superfície; Pareceu-me que ele confiou demais na sua intuição, especialmente quando se tratava das pessoas. A intuição jamais te revelará a alma desse ser fedorento que vagueia por aí, na sua frente... Então o que se notará é que o verdadeiro modelo de Doff é Dostoiévski, em sua maneira de descrever os tormentos materiais e espirituais de seus personagens ser mais próxima de seus intermináveis dilemas que enfrentava. "Este é um dos leitmotivs do autor: mergulhar sempre a caneta na tinta da realidade, realidade grosseira, realidade sublime; de uma experiência da realidade sempre em tensão entre o instinto de vida e o de aniquilação.(...). Doff não esconde sua inclinação individualista. Seus escritos criam até, talvez inconscientemente, uma verdadeira genealogia desse individualismo forjado pelas privações, pelo sofrimento e pelas fugas. Em primeiro lugar, a leitura: tendo aprendido a ler desde muito jovem, saciará a sua fome pelo menos com palavras. Triste paradoxo: como o seu corpo não lhe pertence, ela liberta a sua mente e foge através das histórias dos outros. A sua família costuma usar isso contra ela: lá está ela, a egoísta, perdendo-se na ociosidade! Que perda de tempo!", ainda sobre o estilo da autora: "A pena de Doff será capaz, apesar da passagem do tempo e do seu novo estilo de vida, transmitir perfeitamente um dos mais terríveis paradoxos da pobreza: a dominação parasita a imaginação e a moralidade do proletariado para se justificar. É por isso que os romances de Doff envelheceram tão bem: não são contos morais ou pinturas naturalistas cuja missão é participar numa guerra entre capelas literárias; são obras artesanais, testemunhos ficcionalizados cuja verdade reside no autor e apenas no autor" (Scohier, 2020)

Sendo considerada a pioneira dos escritores da chamada "Literatura Proletária", também conhecida como “Escola Proletária”, Henry Poulaille, fundador do “Grupo de escritores proletários de língua francesa”, define como autor(a) proletário aquele(a):

- nascido de pais trabalhadores ou camponeses;

- autodidata (ter abandonado a escola cedo para trabalhar, ou pelo menos ter beneficiado de uma bolsa de estudos - geralmente para se tornar professor no sistema primário, “a escola dos pobres”, na época em que coexistiam dois sistemas escolares);

- e que testemunha nos seus escritos as condições de vida da sua classe social.

A literatura proletária, entendida como “escritores interessados ​​no proletariado e que escrevem sobre ele”, não se limita, portanto, ao grupo iniciado por Henry Poulaille na década de 1930. Desenvolveu-se e continua a expressar-se de diversas formas e fora de qualquer “escola literária”.

"Doff não esconde sua inclinação individualista. Seus escritos criam até, talvez inconscientemente, uma verdadeira genealogia desse individualismo forjado pelas privações, pelo sofrimento e pelas fugas. Em primeiro lugar, a leitura: tendo aprendido a ler desde muito jovem, saciará a sua fome pelo menos com palavras. Triste paradoxo: como o seu corpo não lhe pertence, ela liberta a sua mente e foge através das histórias dos outros. A sua família costuma usar isso contra ela: lá está ela, a egoísta, perdendo-se na ociosidade! Que perda de tempo!", nas palavras de Thibault Scohier, que ainda conclui: "Doff também mostra a incrível desumanização pela qual passa, ao se transformar em mercadoria. Ao contrário da irmã, ela não romantiza o sexo pago; ela age para alimentar sua família que está desmoronando: seu pai bebe, sua mãe a observa na calçada, um de seus irmãos vira ladrão... Assim que pode, ela para, erguendo sua dignidade como um muro invencível para se proteger das expectativas maternas. Seu trabalho como modelo está começando a dar frutos. Os artistas que ela frequenta, porém, esperam que as meninas pintem alguns favores... mas pelo menos, diz ela, conversam com ela sobre arte, beleza e nuvens. (...). O fracasso a longo prazo de Doff pode certamente ser explicado pelo seu tema, esta ênfase na pobreza mais severa, que não agrada aos leitores burgueses que procuram fuga e relaxamento".

Obras além da trilogia da fome:

  1. Contes Farouches. (Bitter Tales) Paris: Ollendorf, 1913. Basac: Plein Chant, 1981. (One tale: 'Lyse d’Adelmond' a fictional story was omitted in this publication)
  2. Angelinette. (Young Angela) Paris: Crès, 1923.
  3. Campine. (Campine) Paris: Rieder, 1926.
  4. Elva, suivi de Dans nos bruyères. (Elva, followed by In our Heather Fields), Paris: Rieder, 1929. Translated in Dutch: In our Heather Fields under the title Bittere Armoede in de Kempen. Trans. R. de Jong-Belinfante: Amsterdam; Meulenhoff, 1983, includes the translation of Je voulais en faire un homme (I Wanted To Turn Him into A Man).
  5. Une Fourmi Ouvrière. (The Work Ant) Paris: Au Sans Pareil, 1935.
  6. Quitter Tout Cela! suivi de Au Jour le Jour. (Leaving All This! followed by From Day To Day) Paris-Nemours: Ed. Entre Nous, 1937.

Translations made by Neel Doff from Dutch

  1. L’Enfant Jésus en Flandre. (The Child Jesus in Flandres). (Felix Timmermans: Het Kindeke Jesus in Vlaanderen) Paris: Rieder 1925.
  2. La Maisonnette près du Fossé. (The Little House near the Ditch). (Carry van Bruggen: Het Huisje aan de Sloot) Paris: Ed. Du Tambourin, 1931. Paris: Lire; Roman inédité et complet, 1931.
  3. De Vieilles Gens. (About Old Folks and the things that pass ...). (Louis Couperus: Van oude menschen, de dingen, die voorbij gaan...). Lost unpublished manuscript.
  4. Many short stories and other writings by Neel Doff were published in various periodicals. These texts were cited in various references: i.e. two of the three biographies written about Neel Doff. In 1975, Dutch filmmaker, Paul Verhoeven created the movie Katie Tippel. The movie holds elements of the trilogy, 'Days of Hunger and Distress'; 'Keetje' and 'Keetje The Errand Girl'. Some of these publications were only very recently discovered and that no record of some of them, the Spanish, English and Russian translations were found in either of Neel Doff's residences.


Caio A. Zini


Fontes:

Littérature prolétarienne - https://www.lestraversees.com/list-37342/litterature-proletarienne/

Scohier, Thibault. Neel Doff, la postérité douloureuse. 2020. Em: https://revues.be/karoo/365-karoo-avril-2021/961-neel-doff-la-posterite-douloureuse


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